Título: Entrada no Mercosul como membro pleno tem muitos obstáculos
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2005, Internacional, p. A8

A provável vitória do líder cocaleiro Evo Morales para a Presidência da Bolívia gerou preocupação para o empresariado brasileiro. Representantes do setor privado e especialistas em política externa temem a divisão da América Latina em países pró e contra os EUA. A possibilidade de admissão da Bolívia como membro pleno do Mercosul, que chegou a ser proposta ontem pelo presidente da comissão de representantes permanentes do bloco, Carlos "Chacho" Álvarez, elevou esse temor. A indústria brasileira vê com reservas eventuais ganhos econômicos, que seriam incertos e de longo prazo. Recém-indicado pelo presidente da Argentina, Néstor Kirchner, para o posto, Chacho disse que proporá a Bolívia como sócio pleno do Mercosul na próxima reunião entre Kirchner, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em janeiro. A Venezuela acaba de ser aceita como membro pleno do Mercosul. A Bolívia é membro associado. "Falava ontem com Marco Aurélio Garcia (assessor da Presidência brasileira para assuntos internacionais) e seguramente temos que conversar com os presidentes para, se eles estão de acordo, convidar a Bolívia a ser membro pleno do Mercosul", disse Chacho, ressaltando que o sistema regional pode complementar a integração de infraestrutura e energética. Segundo o Valor apurou, o governo brasileiro considerou precipitada a declaração de Chacho. Ainda não teria havido nenhum contato a respeito com a Bolívia. Haveria muita dificuldade em harmonizar a estrutura tarifária da Bolívia com as tarifas do bloco. "Não queremos o Mercosul transformado em plataforma de oposição às negociações da Alca", disse o diretor do departamento de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca. Ele disse que a integração com a Bolívia é bem-vinda, mas o problema é o que isso pode significar em termos de política externa. A Bolívia poderia ser complementar ao Mercosul como fornecedora de gás, mas as declarações de Morales de que poderia nacionalizar as refinarias da Petrobras levantaram dúvidas sobre a questão, dizem os empresários. Setores industriais chegaram a ver com bons olhos quando foi anunciada a entrada da Venezuela no Mercosul. Enxergaram no país, que esbanja recursos por conta do petróleo, uma oportunidade de exportar mais. O Brasil já vendeu mais de US$ 2 bilhões para a Venezuela de janeiro a novembro, alta de 56% em relação a igual período do ano passado. Mas a entrada no Mercosul, que foi mais política do que econômica, decepcionou. "Essas ações têm características políticas, mais que benefício comercial efetivo", disse Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). "Entrar no Mercosul significa assumir a Tarifa Externa Comum de uma vez. A entrada da Venezuela foi política." Depois de um aumento de 48% em 2004, as exportações do Brasil para o país cresceram só 9,77% de janeiro a novembro, chegando a US$ 519,4 milhões, um quarto das vendas para a Venezuela. Por outro lado, as importações chegaram a US$ 830,4 milhões no período, alta de 31%, puxadas pelas compras de gás, que aumentaram 83,4%. O Brasil amargou déficit de US$ 310,9 milhões com a Bolívia. O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer ressaltou que Morales teve o apoio explícito de Chávez. Ambos se unem na oposição aos EUA. "É um dado que se agrega na relação entre América do Sul e EUA", diz. Para Lafer, Morales pode encontrar ainda problemas de governabilidade. O ex-ministro do Desenvolvimento Sérgio Amaral disse que a adesão de novos membros do Mercosul é "sempre bem-vinda", mas ressaltou que é preciso examinar as implicações econômicas dessas decisões e o tempo necessário para implementá-las.(Com Brasília)