Título: As causas da desaceleração
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2005, Opinião, p. A11
Os dados do PIB do terceiro trimestre confirmam a desaceleração do ritmo de crescimento, cujos sinais manifestavam-se desde o segundo trimestre de 2004, antes da elevação da taxa de juros pelo Banco Central (BC). Os dados de forte crescimento do segundo trimestre foram surpreendentes, mas, considerados em conjunto com a queda do terceiro trimestre e as informações mais recentes, que indicam alguma melhoria no nível de atividade no quarto trimestre, a tendência geral é de desaceleração e, com isso, é provável que o PIB cresça 2,3% este ano. Esta desaceleração deverá persistir no primeiro trimestre de 2006 e espera-se que, a partir do segundo trimestre, haja uma recuperação em função da ampliação de gastos do governo. Com isso, espera-se que 2006 seja um pouco melhor que 2005 por ser um ano eleitoral, quando, normalmente, os três níveis de governo injetam recursos, ampliando a demanda. Neste artigo vamos apontar as causas da desaceleração e explicar porque extraordinários avanços alcançados em 2004/2005, tais como o ajuste externo e a queda do risco-Brasil, não se traduziram nem na queda na taxa de juros de longo prazo, nem se transformaram em crescimento potencial mais elevado. A desaceleração da economia se deve à perda de fôlego das exportações líquidas (queda no quantum de manufaturados e em reais) e à queda nos investimentos produtivos, em função da apreciação cambial e elevação na taxa de juros. O consumo privado vem se sustentando, com desaceleração menor do que os demais componentes da demanda agregada, principalmente em função do estímulo da forte expansão na oferta de crédito. Mas a sua evolução tem ocorrido por espasmos gerados, aparentemente, por ciclos de endividamento. A recuperação do consumo iniciou-se em meados de 2003 com a retomada da compra de bens de consumo durável, que havia caído drasticamente com o 'apagão' de 2001. Com a recuperação do nível de emprego e do rendimento real, a demanda de consumo aumentou e tem sofrido espasmos em função da elevação do endividamento privado gerar aumento de inadimplência, o que provoca esfriamento da demanda e, decorridos alguns meses, dada a redução das dívidas, os consumidores voltam às compras. Para 2006, o cenário mais provável é de que, mesmo com a redução prevista na taxa de juros, dificilmente haverá efeitos de vulto sobre os investimentos produtivos. Da mesma forma, as exportações líquidas deverão sofrer queda. Assim, a recuperação deverá ocorrer com a sustentação do nível de consumo privado, pela expansão de crédito mais do que emprego ou renda, e em função dos gastos eleitorais do governo. É razoável supor que a economia crescerá em torno de 3% em 2006. Desde o início da década de 90, a economia brasileira vem apresentando um padrão de evolução caracterizado por uma sucessão de fases de recuperação cíclica seguidas de crise. A reversão das recuperações cíclicas vinham ocorrendo em função de choques na conta de capitais (contágios de crises financeiras no exterior). Com a parada súbita no fluxo de capitais do exterior, o BC reagiu com forte elevação da taxa de juros e conseqüente interrupção do processo de recuperação.
Recuperação em 2006 deverá ocorrer com a sustentação do nível de consumo privado, pela expansão de crédito e pelos gastos eleitorais do governo
No último ciclo de recuperação, iniciado em meados de 2003, a reversão cíclica foi desencadeada por fatores internos. A situação internacional tem sido extraordinariamente favorável. Tivemos choques externos bastante positivos com forte expansão das exportações, elevação no preço das commodities e redução do risco-Brasil. Entretanto, estes choques provocaram forte expansão da economia brasileira em 2004, com o crescimento do PIB de 4,9%, mas frustrando as expectativas, os seus efeitos propagadores foram se dissipando e, já no terceiro trimestre de 2004, iniciamos a reversão do ciclo de recuperação, sem que ainda os efeitos da elevação na taxa de juros pelo BC tivessem chegado às atividades produtivas.Cabe também salientar que um fato novo digno de observação é que o forte arranque das exportações de manufaturados, principalmente em setores que tinham grande capacidade ociosa, vem contribuindo com mais de 60% do aumento das exportações totais neste ano. Cinco grupos de produtos (veículos, telecomunicações, bens de capital, aparelhos sonoros e ferro e aço) respondem com mais de 70% do aumento nas exportações de manufaturados neste ano. Como o setor manufatureiro mantém relações intersetoriais muito mais densas que o setor primário, esperava-se que efeitos propagadores do arranque da exportações de manufaturados fossem muito maiores e que o crescimento se sustentasse em 2005. Além disso, neste último ciclo, a economia brasileira fez um excepcional ajuste nas contas externas de forma que: de um déficit de mais de 4% do PIB em 1999 nas transações correntes, passamos para um superávit de mais de 2% do PIB; de uma necessidade de financiamento externo de US$ 78 bilhões em 1999, passamos para US$ 22 bilhões em 2005. E a poupança doméstica aumentou em quase oito pontos percentuais do PIB. Assim, a grande questão que se coloca é: por que a recuperação cíclica não se transformou em crescimento sustentado, com taxas acima da média dos últimos dez anos, dadas as condições externas excepcionalmente favoráveis, o extraordinário ajuste do setor externo, o arranque da exportações de manufaturados e a grande queda no risco-Brasil? Vou apontar alguns problemas: apesar do extraordinário ajuste externo e melhorias da percepção no exterior com queda do risco-Brasil, existem ainda grandes desequilíbrios macroeconômicos, ao contrário do que alguns analistas preferem acreditar. A taxa real de juros é a mais elevada do mundo e é um indicador da existência de grandes distorções e desequilíbrios no sistema monetário e financeiro. A taxa de câmbio apreciada não é a de equilíbrio de longo prazo do balanço de transações correntes, nem aquela capaz de sustentar a exportação de manufaturados, e reflete, também, as distorções provocadas pelas especulações financeiras com o real, trazidas pelo fantástico nível da taxa real de juros alcançado neste ano. Poupança pública negativa e reduzido investimento governamental em infra-estrutura, apesar da elevadíssima carga tributária, é outro sinal de desequilíbrio profundo nas contas públicas. E por fim, o perfil problemático da dívida pública interna, caracterizado pela indexação à taxa de juros diária e com elevada liquidez. Todos estes desequilíbrios e distorções precisam ser eliminados para que se possa reduzir a volatilidade e as instabilidades macroeconômicas.