Título: Para analistas, Itamaraty deverá manter o foco na Rodada Doha em 2006
Autor: Assis Moreira e Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2005, Especial, p. A12

Com os modestos resultados da reunião de Hong Kong, as negociações da Rodada Doha devem continuar no próximo ano e concentrar as atenções da diplomacia brasileira. Analistas de relações internacionais e representantes do setor privado avaliam que a escolha do Itamaraty está correta, mas estão preocupados com os custos. Poucos apostam no avanço das negociações entre Mercosul e União Européia em 2006. E, com a entrada da Venezuela de Hugo Chávez no bloco do Cone Sul, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) parece estar sepultada. "É possível que nada aconteça este ano, nem em 2006", lamenta Marcos Sawaya Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Jank acredita que, se forem concluídas no ano que vem, as negociações da OMC devem resultar em um acordo "modesto" em subsídios agrícolas e acesso a mercados, os dois temas que mais interessam ao Brasil. Ele pondera que o foco do país na OMC este ano era "absolutamente necessário", porque é o único fórum para discutir queda de subsídios agrícolas. O presidente do conselho de comércio exterior da Fiesp, Rubens Barbosa, acredita que a OMC seguirá como prioridade do Itamaraty em 2006, e que haverá um grande esforço de todos os países para chegar a um entendimento até o fim de 2006, ainda em tempo de o Congresso dos EUA aprovar a negociação antes de expirar a Trade Promotion Authority (TPA), autorização concedida ao Executivo para conduzir as negociações. "Não é possível julgar a estratégia brasileira até que a negociação termine", diz. Para Amâncio Jorge de Oliveira, diretor de pesquisa do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni), a opção brasileira pelo âmbito multilateral "é irretocável, mas tem seu custo". Ele também ressalta que a redução dos subsídios só pode ser tratada na OMC, e diz que o Brasil conquistou uma posição central nas negociações. "Só que quando você ganha, é herói. Quando perde, é um jogador ruim", diz Oliveira, explicando a percepção da opinião pública. O especialista avalia que, se não houver avanço na redução dos subsídios agrícolas, o Brasil é "duplamente derrotado", porque não atingiu seus objetivos, e porque pode perder preferências em vários mercados por não participar ativamente das negociações bilaterais e regionais. "O prêmio é proporcional ao risco", diz. No curto prazo, Oliveira duvida que haverá grande avanço nas negociações, sejam multilaterais ou regionais, devido à falta de vontade política. "Dependerá da disposição dos líderes." Para Jank, "toda a estratégia regional do Brasil ficou a reboque da OMC". Ele acredita que, com a entrada da Venezuela no Mercosul, dificilmente haverá um avanço nas negociações da Alca ou em um acordo bilateral entre Mercosul e EUA. "Chávez vai se opor a qualquer coisa com os americanos." Jank avalia que, se não houver progresso nas negociações da Alca, dificilmente os entendimentos com a UE avançarão. Ele acredita que os europeus só insistem nessa negociação por medo de perder mercado no Mercosul para os EUA. Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) está mais otimista. Ele acredita que o Itamaraty trabalhará com mais afinco no acordo com a UE no próximo ano. "Com a OMC sem caminhar, o mais provável é partir para um acordo com a UE, utilizando uma parte das ofertas feitas no âmbito multilateral. Os europeus disseram várias vezes que não podem pagar duas vezes." Segundo Barbato, concluir um acordo com a UE é a melhor maneira de o governo demonstrar que a sua estratégia de negociações internacionais é eficiente. "Não acredito que os europeus perderão o interesse por conta da Alca. Eles estão atentos ao que podem ganhar no Mercosul", afirma. Barbosa, da Fiesp, acredita que o Brasil está arriscando muito ao jogar todas as fichas na OMC. Ele não acredita em avanço na Alca ou nos entendimentos com a UE em 2006, devido às eleições presidenciais no Brasil. Em período eleitoral, os governos têm mais dificuldades para fazer concessões comerciais. "A Alca não é prioridade do governo. E as negociações com a UE dependem das definições sobre subsídios na OMC", avalia. Para Barbosa, além de se dedicar à OMC, o governo deveria investir na renegociação dos acordos bilaterais na América Latina com Chile, Peru, Equador ou Bolívia. Ele diz que o país precisa evitar perder suas preferências, porque esses países estão fechando acordos com os EUA em termos mais favoráveis do que com o Brasil.