Título: Brasil quer retomar negociação em Davos
Autor: Assis Moreira e Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2005, Especial, p. A12

Relações externas País agora quer aumentar pressão sobre os EUA pela eliminação dos subsídios domésticos

O Brasil articula para janeiro a retomada das negociações sobre o tamanho dos cortes de tarifas e subsídios agrícolas e industriais, aproveitando uma reunião de ministros de comércio no Fórum Mundial de Economia, em Davos (Alpes suíços). As reuniões em Davos seriam uma forma de dar prosseguimento, rapidamente, às decisões dos países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) reunidos até o último domingo em Hong Hong. Os ministros desses países fixaram prazo até 31 de abril para finalizar um acordo sobre as fórmulas de cortes de tarifas e subsídios - que já deveria ter sido aprovado na reunião de Cancún há dois anos. Como o novo prazo é apertado e a "situação tão difícil", só mesmo os chefes de Estado e de governo podem desbloquear as negociações da Rodada Doha, avalia o embaixador brasileiro em Genebra, Clodoaldo Hugueney. A diplomacia brasileira continua tentando um encontro de cúpula antes de abril, para os dirigentes dos principais países se comprometerem com abertura dos mercados e os prazos para terminar a rodada. Para isso, eles precisarão dar instruções para os negociadores entrarem efetivamente em barganhas. O Valor apurou que França e Alemanha têm "dificuldades" para aceitar a cúpula proposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente francês Jacques Chirac não ignora que será o principal alvejado nesse tipo de encontro. Negociadores partiram de Hong Kong com a convicção de que a União Européia chegou ao "fim da corda" nas concessões em acesso ao mercado na área agrícola. Mas continuarão a pressionar para que a UE reduza o número de produtos sensíveis (que continuarão com altas barreiras). Terminada a conferência ministerial de Hong Kong, a poderosa Copa-Cogeca, federação de agricultores europeus, passou a pedir para a UE pressionar os Estados Unidos a fazer cortes reais nos subsídios domésticos, sobretudo nos programas contracíclicos (que compensam a queda de preços). Os EUA gastam US$ 14,4 bilhões de subsídios que mais distorcem o comércio (caixa amarela, que estimula excesso de produção) atualmente, comparado a 61,2 bilhões de euros na UE. A diferença é que os europeus iniciaram a reforma de sua Política Agrícola Comum (PAC), enquanto os americanos aumentam os subsídios. Nesse cenário, o Brasil também quer aumentar a pressão sobre os EUA. "A prioridade número 1 do Brasil será mais e mais demanda por corte efetivo nos subsídios domésticos", afirma o novo diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Roberto Azevedo. "O que precisamos é identificar as barganhas que permitam esse movimento", acrescenta. Ou seja, o Brasil e os outros emergentes precisam definir o que podem pagar pelo que demandam nas negociações. A Unice, entidade que reúne as grandes indústrias na Europa, divulgou comunicado pedindo para o comissário Peter Mandelson continuar exigindo grande nível de ambição na negociação industrial, de forma a que nenhuma alíquota seja superior a 15% nos países emergentes - o Brasil cobra 35% de alíquota na importação de automóveis. O clima no qual a conferência ministerial de Hong Kong foi encerrada, porém, pode dificultar as articulações entre os principais parceiros da Rodada Doha - o Brasil, Estados Unidos, União Européia e Índia. Mandelson é acusado de ter agido de tal maneira confusa nas negociações que resultou em afastamento pessoal tanto em relação ao ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, como ao negociador comercial chefe dos EUA, Robert Portman. Já no lado oposto, quem conseguiu consolidar sua credibilidade foi Pascal Lamy, diretor-geral da OMC. O Brasil, particularmente, apreciou a iniciativa de Lamy pressionar a UE e os EUA a fazerem concessões em subsídios à exportação e domésticos. Lamy foi criticado duramente por Mandelson, que o acusou de querer atuar no lugar do comissário europeu de comércio (posto que era ocupado por Lamy até o ano passado) Na expectativa da diplomacia brasileira, a União Européia já pode acabar em 2010 com os subsídios à exportação para açúcar e leite, como um dos elementos do corte "substancial" dessa ajuda antes do prazo de 2013. Além disso, a diplomacia faz uma avaliação positiva do texto sobre produtos industriais, que confirmou a escolha de uma "fórmula suíça" para cortar as tarifas (uma fórmula matemática simples, que garante um corte proporcionalmente maior para as tarifas de importação mais altas). O próprio Lamy, contudo, interpretou que o texto aprovado em Hong Kong deixa margem para o princípio da fórmula proposta por Argentina, Brasil e Índia, que permite reduzir as tarifas considerando apenas a média das tarifas, com flexibilidade para países em desenvolvimento manterem tarifas mais altas para setores sensíveis. O texto de Hong Kong fala claramente em "paralelismo" entre a ambição de liberalização agrícola e industrial. Significa que qualquer redução de barreiras comerciais para mercadorias industriais teria de ser seguida na mesma dimensão pela queda de barreiras para bens agrícolas. Esse "paralelismo" dá argumento suplementar para o Brasil e outros exportadores exigirem amplos cortes dos europeus e americanos, quando estes insistem em forte liberalização de produtos industriais e serviços.