Título: "Gatilho" para bens especiais vira polêmica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2005, Especial, p. A12

A reunião ministerial dos países da Organização Mundial do Comércio (OMC) empurrou para o próximo ano a definição sobre o mecanismo de proteção a "produtos especiais" em agricultura, que poderá criar barreiras à exportação brasileira de alimentos e outras mercadorias agrícolas para países em desenvolvimento, como China e Índia. Esse tema é polêmico dentro do próprio governo brasileiro e cria divisões no G-20, grupo de nações em desenvolvimento liderado pelo Brasil para se contrapor aos países ricos nas discussões de agricultura na OMC. A declaração assinada em Hong Kong poderá autorizar parceiros comerciais do Brasil a aumentar tarifas acima dos níveis máximos registrados na OMC. O texto estabelece que a atual rodada de liberalização comercial, para derrubada das barreiras a exportações, dará tratamento especial a produtos rurais classificados como "especiais" pelos países em desenvolvimento, segundo critérios de "segurança alimentar", importância para o consumo interno e desenvolvimento da área rural. A novidade, em Hong Kong, foi a decisão de que, após concluída a Rodada Doha, os países em desenvolvimento poderão basear-se em "gatilhos" de preço ou de volume (queda súbita dos preços internacionais ou crescimento forte das importações) para criar "salvaguardas", com barreiras automáticas, contra a importação desses produtos especiais. A China, mercado crescente para os produtos brasileiros, já anunciou que quer classificar como "especiais" até 20% dos itens de sua pauta de importação agrícola. Parceira do Brasil no G-20, assim como a China, a Argentina tem se oposto à excessiva liberdade de tratamento para os produtos especiais, e era contrária ao "gatilho" de preço para salvaguardas. Esse tema divide até mesmo o governo brasileiro, no qual a maioria dos ministérios vê com reservas o mecanismo, que é defendido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário como indispensável para proteger pequenos produtores da agricultura comercial. Instituições como o Icone, de assessoria e lobby do setor agrícola brasileiro, classificam como um retrocesso essa decisão e argumentam que ela deixará uma arma poderosa, para barreiras arbitrárias, nas mãos de grandes mercados potenciais do Brasil no mundo em desenvolvimento. Assim como a China recorreu recentemente a acusações não provadas de problemas sanitários para brecar as importações de soja, em um período de queda de preços (os produtores foram forçados a renegociarem contratos), os importadores do Brasil no mundo em desenvolvimento poderão aproveitar quedas de preço internacionais para elevar tarifas contra produtos brasileiros, acima até dos tetos tarifários registrados por eles na OMC. Os mecanismos para estabelecer as listas de produtos especiais e as salvaguardas com "gatilhos" de preços e volumes ainda serão detalhados, no primeiro semestre de 2006, pelos sócios da OMC. Os negociadores brasileiros, com respaldo de alguns especialistas em negociações agrícolas, afirmam que as barreiras para bens agrícolas nos mercados em desenvolvimento não chegam a ser ameaça às exportações brasileiras. Países como China e Índia crescem a taxas impressionantes. Possuidor da agricultura de exportação mais competitiva do mundo, o Brasil não terá problemas em superar eventuais barreiras criadas com base no tratamento privilegiado a produtos "especiais", dizem os diplomatas. (SL e AM)