Título: Súmula pode causar efeito inverso
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Judiciário Da forma como está, regulamentação traz risco de avalanche de ações no Supremo

Depois de um ano de discussões acaloradas no Congresso Nacional em torno da aprovação da súmula vinculante e mais um ano de expectativa quanto à sua estréia, a aplicação prática do novo instrumento continua sendo uma perspectiva distante. Na semana passada, a Comissão Mista da Reforma do Judiciário apresentou, com seis meses de atraso, o projeto de lei para regulamentar a súmula, mas o texto ainda precisará de novos ajustes. Segundo juristas envolvidos com o projeto, da forma como ele está poderá ter o efeito inverso ao esperado e levar a uma avalanche de novos recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o ministro Gilmar Mendes, que participou da elaboração do texto apresentado pela comissão, o problema é que a súmula tem efeito vinculante sobre o Judiciário mas também sobre a administração pública. Caso uma instituição pública resolva descumprir uma súmula vinculante, o instrumento previsto para coibir a prática é a possibilidade de haver reclamação direta ao Supremo. Isso cria o risco da chegada de milhares de ações ao Supremo caso algum órgão público decida ignorar uma súmula. Para o ministro, uma das formas de contornar o problema é exigir que a reclamação seja apresentada apenas depois de esgotada a instância administrativa - o que já está previsto no texto aprovado pela comissão. Outra possibilidade, segundo Gilmar Mendes, é tentar uma alteração na Lei nº 9.784/99, que trata da condução de processos administrativos pelo poder público, para evitar que órgãos como o Conselho dos Contribuintes da Receita Federal ou o conselho administrativo do INSS criem problemas para o Supremo. O jurista Alexandre de Morais, que integra a comissão de regulamentação da reforma do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), diz que sua proposta para o problema é que o julgamento das reclamações deve ser delegado aos juízes de primeira instância, que funcionariam como "braços" do Supremo. Caso os juízes desobedeçam à determinação do Supremo, então caberia a reclamação à corte. O mecanismo poderia ser introduzido apenas como uma emenda ao projeto aprovado pela comissão de reforma e poderia diluir a demanda do Supremo. Assim haveria milhares de juízes atuando, ao invés de doze ministros, e caso o poder público descumprisse a determinação, o administrador ficaria sujeito a processos por crime de desobediência e improbidade administrativa. Segundo Gilmar Mendes, outro problema encontrado entre os projetos enviados ao Congresso é o critério de repercussão geral para a admissão de recursos no Supremo, que para o ministro tem critérios muito restritivos. Pelo texto, o Supremo só pode declarar um tema sem relevância por maioria de dois terços dos ministros - maioria qualificadíssima, segundo Gilmar, já que até uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) precisa apenas de maioria simples para ser aprovada. Nos Estados Unidos, é preciso a aprovação de apenas quatro dos nove ministros para declarar um tema sem repercussão geral, e na Alemanha a declaração pode ser feita nas turmas de três ministros. Para o ministro, no formato atual o tema em questão deverá levar a longas discussões no plenário e será difícil até mesmo obter quórum para a aprovação. Uma saída, diz Gilmar, é tentar resolver a questão nas próprias turmas, alterando o regimento interno do Supremo.