Título: Acordos bilaterais dos EUA podem trazer problemas para a Alca
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2005, Brasil, p. A5

Relações externas Resultados de Hong Kong adiam esforços para retomada do bloco americano, diz Bahadian

Os resultados da reunião da Organização Mundial de Comércio (OMC) em Hong Kong adiaram pelo menos para o ano que vem qualquer esforço de retomada das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Mas mesmo que o diálogo na OMC acabe tendo um desfecho positivo para o interesse das nações em desenvolvimento, o Brasil terá de ficar atento para que os Estados Unidos e os países que têm pactos bilaterais com Washington não tentem inserir, em um eventual acordo da Alca, cláusulas referentes à propriedade intelectual e industrial que, para os negociadores brasileiros, seriam prejudiciais ao interesse do país. "Tenho grande medo de que quando viermos para o âmbito da Alca, em vez de se transferir essas vantagens (obtidas na OMC), procure-se aprofundar na Alca o problema, como se fez nos acordos bilaterais, para 'harmonizar' dentro da região essas regras", disse o embaixador Adhemar Bahadian, que deixou neste mês o cargo de co-presidente da Alca, que ocupava desde meados de 2003, para comandar a embaixada brasileira em Roma. Seu substituto é José Martins Felicio, subsecretário de América do Sul do Itamaraty. Em entrevista ao Valor, Bahandian considerou que o Brasil tem de estar alerta para que os EUA, "em nome de não sei que valores", não tentem aprofundar na Alca "os direitos dos detentores de patentes em detrimento da sociedade". As questões de propriedade intelectual e industrial estão entre os pontos onde há mais divergências. O Brasil e os outros países do Mercosul rejeitaram a proposta dos EUA de fazer um acordo abrangente, que incluísse regras relativas a esses dois temas, e além disso Washington exige uma abertura ampla em compras governamentais, serviços e investimentos. O impasse em relação a esses temas fez com que os 34 países envolvidos no diálogo decidissem, em uma reunião realizada em novembro de 2003 em Miami, reduzir o nível de ambição do acordo geral, colocando como meta definir um conjunto de obrigações que pudesse ser aceito por todos e abrindo a possibilidade para que os países que quisessem aprofundar o acordo o fizessem de forma individual. Mas desde então as tentativas do Mercosul de iniciar uma negociação de acesso a mercados com os EUA fracassaram. Recentemente, Peter Allgeier, que compartilhou com Bahadian a co-presidência da Alca, afirmou que o Mercosul não estaria preparado para negociar um acordo com os EUA devido à sua resistência em discutir regras. Mas Bahadian argumenta que é impossível fazer progressos em algumas das áreas pretendidas pelos EUA sem a noção de quais vantagens o bloco comercial sul-americano terá em acesso a mercados. "Allgeier tem consciência de que o ministro Celso Amorim propôs que fizéssemos negociação de acesso a mercados em bens agrícolas, não agrícolas, serviços e até em investimentos, e os americanos nunca aceitaram. Então, quem não está preparado?", questionou. Ao mesmo tempo, Washington intensificou a estratégia de buscar acordos bilaterais, mantendo a pressão sobre o Mercosul para que aceite negociar um acordo amplo. Bahadian avalia que essa pressão ficou clara na Cúpula das Américas, realizada no mês passado em Mar del Plata, quando EUA e seus aliados na negociação tentaram que a reunião resultasse em um compromisso concreto com a retomada das negociações da Alca. "Eu não estive em Mar del Plata, mas podia quase apostar que ia acontecer o que aconteceu. Você teve a tentativa dos países que já têm acordos bilaterais ou regionais de fazer com que se retomassem as negociações imediatamente, que se ignorasse Doha, voltando ao esquema antigo", interpretou o diplomata. Ele também negou que durante sua gestão tenha havido algum tipo de objeção ideológica à Alca e disse que um de seus méritos foi conseguir mostrar à sociedade que um acordo hemisférico nos moldes pretendidos pelos EUA seria nocivo para o Brasil. "Em nenhum momento recebi qualquer instrução no sentido de minar a possibilidade de um acordo. Todas as instruções do chanceler Amorim foram adequar as negociações a nossos interesses", disse Bahandian. "Hoje em dia, acusar-nos de negociar de uma maneira restritiva por razões ideológicas só pode ser justificado por razões ideológicas." Para a continuação das negociações, Bahadian acredita que é preciso manter a posição atual e não vê perspectivas imediatas de que o Congresso americano possa aprovar uma Alca com concessões relevantes na área agrícola. Mas também afirmou que há pressões crescentes que podem culminar em uma mudança desse cenário. "As pessoas estão vendo com clareza o que está por trás da retórica e cada vez se torna mais difícil defender os mecanismos protecionistas na área agrícola. Isso não é algo sustentável a curto e médio prazo no século 21", disse.