Título: Governo retém parcela maior da conta de luz para ajudar superávit primário
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2006, Brasil, p. A2

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou consideravelmente o uso de encargos cobrados nas contas de luz para engordar o superávit primário. Por lei, os recursos levantados com a taxa de fiscalização cobrada dos consumidores deveriam integralmente financiar as atividades da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No entanto, nos últimos três anos, R$ 336 milhões foram retidos para reforçar o aperto fiscal. A prática não é nova. Começou no governo Fernando Henrique Cardoso, mas acentuou-se a partir de 2003. Não se trata de um problema essencialmente diferente do que acontece com a Cide ou com o Fust, tributos que deveriam ser aplicados em investimentos nas estradas e na universalização dos serviços de telecomunicações, e também acabam servindo para ajudar o governo a cumprir as suas metas de superávit fiscal. No último ano da gestão tucana, por exemplo, a cobrança da taxa de fiscalização - instituída pela lei 9.427/96, que criou a Aneel - arrecadou R$ 172,1 milhões. Desse total, o órgão regulador ficou R$ 145,3 milhões, ou 84,4% das verbas recolhidas, para investimentos e despesas com pessoal. O governo acabou ficando com 15,6% dos recursos. No primeiro ano da administração petista, em 2003, o valor retido para objetivos fiscais saltou para 41,4% do total de recursos oriundos da taxa de fiscalização. Esse valor subiu para 48,3% em 2004. No ano passado, chegou a 53,6% dos R$ 270,8 milhões levantados pelo encargo, que incide nas contas de luz. Ou seja, a Aneel ficou com apenas 46,4% dos recursos provenientes de uma taxa criada justamente para financiar as suas atividades. Em outras palavras, o consumidor de energia colaborou, ainda que com poucos centavos nas suas faturas mensais de eletricidade, com o superávit primário. O diretor-geral da agência, Jerson Kelman, disse que a escassez de recursos tem prejudicado as ações do órgão regulador. A fiscalização nas 64 concessionárias de distribuição de energia elétrica, por exemplo, vem ocorrendo apenas "por indícios". Isto é, os funcionários da Aneel fazem inspeções na empresa só quando há suspeitas ou denúncias de problemas. "Não fizemos toda a fiscalização preventiva que gostaríamos de ter feito", afirmou. Kelman explicou que há três etapas no processo de retenção dos recursos. Primeiro, por meio de uma estimativa excessivamente conservadora da provável arrecadação. Em 2005, o governo enviou ao Congresso uma previsão de levantar R$ 179 milhões com a taxa de fiscalização da Aneel, mas o recolhimento efetivo atingiu R$ 271 milhões. A diferença fica no caixa do Tesouro. Depois, seguem-se duas formas de retenção: o governo cria uma reserva de contingência, que equivale à diferença entre a previsão de arrecadação na lei orçamentária e o orçamento destinado à agência reguladora. Definido o orçamento, ainda é feito normalmente um contingenciamento pela equipe econômica. Para o diretor da Aneel, um dos problemas que precisam ser corrigidos é a liberação a conta-gotas de verbas para a agência reguladora. Ele ressaltou que o descontingenciamento de recursos no fim de cada ano dificulta o planejamento do órgão e algumas vezes até impede a execução dos gastos. Kelman, engenheiro e PhD em hidrologia, completa hoje um ano no comando da Aneel, posto que alcançou por indicação da ministra Dilma Rousseff, então na pasta de Minas e Energia.