Título: Serra e Alckmin, distantes de Aquiles
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2006, Política, p. A5

Muito se alardeia sobre as potencialidades do prefeito de São Paulo, José Serra, e do governador paulista Geraldo Alckmin em derrotar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro próximo. Não há dúvidas sobre o favoritismo da oposição conservadora caso a situação de hoje permaneça, mas ambos os tucanos estão capacitados para jogar no lixo uma eleição aparentemente ganha. Basta que errem na campanha, e, entusiasmados com os pontos fracos do adversário maior, não cuidem de seus flancos. Um consultor político e um líder empresarial, ambos dispostos a colaborar com qualquer oposicionista apto a derrotar o PT, alertam, apreensivos, que nem Alckmin e nem Serra estão na situação de Aquiles, o semi-deus guerreiro que só tinha um ponto de fragilidade. Os dois políticos exibem sua vulnerabilidade humana em várias partes de seus corpos. O calcanhar não é o único caminho para a derrota. José Serra ostenta a imagem de eficiência, possui discurso articulado e contundente, transparece firmeza e ideologicamente atrai tanto à direita quanto à esquerda. Mas há a constrangedora renúncia a um governo recém-iniciado em São Paulo. Serristas gostam de lembrar que a maioria dos prefeitos de capital que abandonaram os cargos para disputarem outras eleições desde 1985 tornou-se vitoriosa. Foi o caso de oito dos treze prefeitos nesta situação. Mas omitem que os casos bem sucedidos estão concentrados na eleição de 1990, quando cinco dos seis prefeitos que renunciaram conseguiram se eleger. Nos últimos 15 anos, a equação se inverteu. Na eleição de 2002, a derrota do petista Tarso Genro ao governo gaúcho foi emblemática. Se Serra permanecer na prefeitura e Alckmin perder a eleição presidencial, o PSDB estará ferido, mas não morto. Se Serra entregar a prefeitura da capital ao PFL, Alckmin não apoiá-lo e os tucanos forem derrotados em outubro, o partido entra em processo de desmanche.

Ilusão com desastre alheio é risco para o PSDB

A imagem nacional de Serra é uma via de mão dupla. "A tendência de rejeição a Serra deve crescer, quando forem evocados os problemas que ocorreram na eleição de 2002. Existem esqueletos se revirando no armário", opina o dirigente empresarial. "A vinculação de Serra com Fernando Henrique é mais forte que a de Alckmin, e o ex-presidente é uma figura estigmatizada pelo eleitorado. Serra não atende à ânsia de renovação", afirma o consultor político. Geraldo Alckmin, no âmbito paulista, é citado como um exemplo de político que tornou um traço negativo - a falta de carisma e de gestos que marcam com força a definição por posições - em um dado positivo, que transmitiria calma, seriedade e horror à pirotecnia. "Os carismáticos perderam. O chuchu aqui ganhou eleições", disse o governador recentemente. Mas o dirigente empresarial e o consultor político discordam: ser um chuchu tem um custo muito alto. "É preciso transmitir força, autoridade para promover mudanças e para isso é necessário haver clareza de posições. Alckmin não parece um sujeito capaz de manejar uma machadinha", comentou o consultor, explicando a analogia: o governador corre o risco de não parecer um homem público decidido o suficiente para decidir impasses que se arrastam no país. "Falta ao governador transmitir com clareza seu pensamento econômico para a sociedade. A condução que dará à agenda política é uma incógnita", cobrou o empresário. A grande popularidade de Alckmin em São Paulo é outra estrada de duas vias: sua eleição consagraria o domínio de um Estado sobre o restante da federação pela quarta eleição presidencial consecutiva, tendo tudo para repetir-se uma vez mais em 2010. Com a diferença de Alckmin ser o mais paulista dos candidatos paulistas: Fernando Henrique, em 1994 e 1998, cavalgou suas candidaturas em cima de uma moeda nacional. Lula, em 2002, já havia consagrado a nacionalização de seu nome. Se fosse candidato a governador de São Paulo naquela ocasião, talvez perdesse. Nenhum dos defeitos de Alckmin e Serra os tiram da posição favorável para enfrentar o PT. Mas caso se limitem a estruturar uma campanha virulenta para vestirem o figurino de "anti-Lula", correrão o risco da surpresa: uma boa parcela do eleitorado poderá buscar alternativas entre os que correrão por fora da polarização tucano-petista.