Título: Planejamento espacial e integração nacional
Autor: Carlos Lessa
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2005, Opinião, p. A11

A democracia brasileira exige reforçar a federação. Porém, dados os enormes desequilíbrios intermunicipais e intra-regionais, é necessário construir regras eqüitativas de repartição dos recursos públicos. Transferir competências tributárias pode acentuar os desequilíbrios sociais do país. Creio que o objetivo da inclusão social deve prevalecer sobre o conjunto de dimensões para o desenvolvimento brasileiro. A inclusão social é a chave que permite uma nova concepção de integração nacional e redução de desequilíbrios inter e intra-regionais e o fortalecimento da federação. Ao observar o acesso a serviços públicos básicos, é visível a diferença inter-regional no padrão domiciliar. A dimensão com menor diferença é a iluminação elétrica. Porém, em abastecimento de água, tanto o Norte como o Nordeste estão muito pior servidos que o Sudeste. Em matéria de saneamento básico, tanto o Norte quanto o Centro-Oeste e o Nordeste estão 37% abaixo do padrão e cobertura da Região Sudeste (ainda deficiente). Em matéria de coleta de lixo, algo semelhante se reproduz. Ao contrastar os indicadores educacionais, de saúde, de segurança, de padrão habitacional, de acesso à justiça, encontraremos marcadas diferenças entre as médias das grandes regiões. Ao acurar o olhar e estabelecer comparações entre municípios, esbarraremos nos grotões (15% dos municípios brasileiros, com uma população total superior a 20 milhões) onde as condições são extremamente precárias. Nas metrópoles, se observarmos o IDH das favelas, cabeças-de-porco e loteamentos clandestinos, nos defrontaremos com indicadores deprimentes. Uma alta renda per capita municipal esconde situações angustiantes. Por exemplo, no município de Duque e Caxias, onde está uma refinaria de petróleo e o novo pólo gás-químico, 60% das crianças têm verminoses e 30% têm dois tipos de vermes. Nas condições brasileiras, o dinamismo de um lugar atrai a miséria de outros para sua periferia. A meta do desenvolvimento eqüitativo deve ser entendida como um patamar mínimo de condições a serem garantidas pela sociedade brasileira como um todo a cada um de seus integrantes. Está em voga a construção de indicadores. A inclusão social no Brasil poderia adotar um IDH ampliado, que sintetizaria a meta central de um projeto histórico de explicitação da civilização brasileira. Deveria ser mensurado a partir dos municípios e, assim, seria possível calibrar transferências institucionais de recursos para as políticas sociais e investimentos em infra-estrutura pelos lugares onde estão os brasileiros, segundo seu distanciamento daquele patamar objetivo.

Progressiva aproximação a pisos mínimos de IDH ampliado em toda a rede urbana minimizaria as migrações por expulsão

Os geógrafos pensam o espaço nacional organizado a partir de uma rede de cidades hierarquizadas. Seu modo de pensar o espaço é básico para o planejamento nacional. Manejado em conjunto com a informação demográfica, deveria ser o ponto de partida para os economistas pensarem o desenvolvimento futuro. Percorrendo a atividade primária, é fácil pensá-la nucleada por micro-células urbanas - os lugares "rurubanos". Em uma aproximação simplificada, no Brasil seriam os municípios com 20 mil habitantes ou menos, e os distritos rurais dos municípios de porte médio. Para cada sede municipal ou distrital seriam traduzidas as necessidades de inclusão social em termos de serviços habitacionais, educacionais, sanitários, de segurança e justiça e acesso a equipamentos urbanos mínimos, tipo iluminação pública, abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto e destinação de lixo. Em um escalão superior da rede, estariam as cidades de porte médio, que cumpririam na rede variados papéis: base de unidades industriais, centros de processamento de matérias primas, nós logísticos etc. Nestas cidades, o IDH deveria diferenciar bairros de molde a poder ser mensurada a necessidade de padrões mínimos. Finalmente, os grandes núcleos da rede, as regiões metropolitanas, seriam espaços cada vez mais de gestão e menos de produção, com o papel de sediar os serviços especiais e indivisos que se beneficiam das aglomerações virtuosas. Naturalmente que nas regiões metropolitanas seria adotado o procedimento de desagregação por bairros. Os grandes projetos nacionais estruturantes teriam sua localização definida pela lógica macroespacial e econômica. Os investimentos privados, com liberdade, escolheriam seus lugares de instalação. Seria cancelada a torpe competição por incentivos tributários e não-fiscais que hoje é travada entre as unidades da federação. Obviamente é importante para o país a mobilidade horizontal de força de trabalho derivada da atratividade dos lugares. O desenvolvimento de novas atividades, o estímulo a novas experiências, a abertura de nova fronteira agrícola sempre serão fontes de atração e alimentarão migrações internas. A tragédia para o país é transferir pessoas de seu lugar natal para favelas de cidades médias e de regiões metropolitanas. A progressiva aproximação a pisos mínimos de IDH ampliado em toda a rede urbana minimizaria as migrações intermunicipais e intra-regionais por expulsão. Quem se desloca de um grotão para uma favela de cidade média ou metrópole, tem, pelo menos, alguma chance (por vezes lotérica) de ser atendido num momento de aflição. Desconhece, quando impulsionado pelo desespero e com o olhar nas luzes da cidade, as novas misérias com que se defrontará na favela.