Título: Credores tentam retomar 23 aviões em NY
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2005, Empresas &, p. B3

Aviação Três companhias de leasing e dois bancos cobram aluguéis em atraso da Varig e criticam instabilidade

Cinco empresas de leasing, irritadas com as reviravoltas na Varig, tentam derrubar hoje no tribunal de falências de Nova York a liminar que impede a retomada de aviões. Alternativamente, querem obrigar a empresa a fazer um depósito judicial que garanta as parcelas dos contratos em atraso. As companhias Ansett, Central Air Leasing, Aircraft SPC-6 e os bancos Wells Fargo e Bank Trust apresentaram argumentos ao tribunal afirmando que a Varig está tentando apenas ganhar tempo. Dizem ainda que a proposta de compra pelo empresário Nelson Tanure é "especulativa". Quando as arrendatárias apresentaram sua argumentação, a proposta de Tanure para ficar com o controle da Varig ainda vigorava. Ela foi derrubada ontem em assembléia de credores. Estão em jogo, diretamente, 23 aeronaves dessas cinco empresas. Mas o número pode aumentar se a Boeing, que tem dez aviões em uso pela Varig, resolver pedir extensão dos efeitos da decisão da Justiça americana. A ILFC, que tem onze jatos alugados, fez um acordo judicial com a Varig em agosto e por essa razão não tenta derrubar a liminar agora. No entanto, a ILFC mantém a intenção de recuperar suas aeronaves. Foi ela quem precipitou o ingresso da Varig em recuperação judicial, em junho, ao tentar obter o arresto judicial. A eventual derrubada da liminar favorece apenas as arrendatárias envolvidas nos processos. Cada uma delas recuperaria o direito de entrar com processos de arresto judicial. A liminar em vigor vale para empresas de leasing americanas e aviões localizados nos EUA. As empresas alegam que as condições da liminar não estão sendo cumpridas, com novos atrasos nas parcelas de leasing, situação "caótica" na administração e no grupo de controle da companhia, canibalização de aviões e falta de informações sobre fluxo de caixa. A Aircraft SPC-6 apresenta ao juiz um documento assinado pelo ex-vice-presidente operacional da Varig, Miguel Dau, e dirigido ao ex-presidente do conselho, David Zylbersztajn, afirmando que a empresa gastará em 2005 apenas 40% do total necessário para a manutenção das aeronaves (sem considerar consertos de turbinas). Até setembro, a empresa estava destinando em média US$ 3,3 milhões mensais à manutenção, que deveria consumir US$ 8 milhões. O Valor teve acesso aos documentos entregues pelos advogados como preparação para a audiência de hoje, na qual o juiz Robert Drain decidirá sobre a manutenção da liminar. Como solução de última hora, a Varig afirma ao tribunal, numa argumentação entregue pelos advogados nos EUA, que fechou acordo com o banco português Efisa para completar a operação de venda de recebíveis de cartão de crédito no valor total de US$ 30 milhões. O advogado da Varig, Rick Antonoff, diz no documento entregue à corte que a operação com o banco Efisa será fechada "ou pouco antes ou pouco depois da audiência". Na última audiência, em novembro, o presidente da companhia aérea portuguesa TAP, Fernando Pinto, havia prometido ao juiz Drain uma injeção de recursos de US$ 44 milhões correspondentes à compra dos recebíveis. A operação não foi concretizada, porque logo depois da audiência em Nova York a Fundação Ruben Berta destituiu toda a diretoria anterior (inclusive o presidente Omar Carneiro da Cunha, que depôs no tribunal americano) e depois tentou fechar a venda do controle da companhia para a Docas Investimentos, de Nelson Tanure. O atual presidente da Varig, Marcelo Bottini, disse que a empresa terá disponíveis imediatamente US$ 20 milhões. O advogado da Varig nos EUA afirma que a empresa colocará de volta em operação até dia 9 de janeiro seis aeronaves paradas por falta de peças. Os argumentos das empresas de leasing descrevem ao juiz o imbróglio desde a última audiência em Nova York - a demissão de toda diretoria uma semana após a audiência, a proposta de compra feita pela Docas e as subseqüentes contestações judiciais. Uma das maiores reclamações é quanto à a mudança da data, pela Justiça brasileira, para adoção do plano de reestruturação, inicialmente fixada em 19 de dezembro e postergada para 8 de janeiro. Para a Ansett, a instabilidade da administração da Varig torna impossível a confiança numa proposta de reestruturação. "Como resultado da situação caótica de controle e administração, é impossível saber se o plano continua sendo proposto pela Varig, se alguma alternativa será submetida ou se todo o plano será abandonado. Até que o controle do devedor e de seu procedimento de concordata seja resolvido, será impossível para qualquer credor proteger seus interesses, a não ser que a liminar seja derrubada." Todas empresas afirmam não ter recebido pagamento do aluguel de seus aviões desde a última audiência em Nova York, quando foram pagos US$ 62 milhões em parcelas atrasadas. Os bancos são os mais duros na crítica à tentativa do empresário Nelson Tanure de comprar a companhia. O comprador "não tem compromisso com os direitos das empresas de leasing nem experiência na área de companhias aéreas", alega a argumentação do Wells Fargo e Bank Trust. Os bancos classificam as declarações de Tanure à imprensa sobre os credores de "disparatadas e infelizes" e afirma que a seriedade de sua oferta está em xeque. As empresas ressaltam que a Docas propôs pagar US$ 112 milhões num prazo de dez anos, e que a empresa compraria apenas 25% do capital, com os 42% restantes sendo recebidos por empréstimo até 2015. "A Docas parece ter a expectativa irrealista de que as empresas de leasing aceitarão menos do que é devido, ou que apenas a promessa de pagamentos futuros é suficiente", afirma o documento. E prossegue: "qualquer sugestão de que as empresas de leasing seriam obrigadas a aceitar um prazo de repagamento em dez anos desafia toda lógica". Tentando convencer o juiz a derrubar a liminar, os bancos afirmam que a credibilidade do processo brasileiro de recuperação judicial está em questão e que só a ameaça de retomada das aeronaves ou um depósito judicial substancial levarão a Varig a negociar com seriedade. "O negócio com a Docas é altamente especulativo, não provê fundos suficientes para saldar dívidas em atraso e pode levar um tempo longo demais para ser fechado, se é que o será", dizem os advogados. Os bancos lembram de outros negócios anunciados na "undécima hora" para manter a liminar, que mais tarde evaporam. Em setembro, a proposta era do fundo de investimentos americano MattlinPatterson; em novembro, da companhia portuguesa TAP; agora em dezembro, de Tanure. Outras empresas de leasing alegam que depois de fechar a proposta de compra, a Docas orientou a Varig a interromper as negociações com os proprietários dos aviões. As empresas de leasing também trazem ao juiz americano uma suposta prova de que a Varig está canibalizando os aviões, mantendo uma parte relevante da frota no chão para suprimento de peças. A Aircraft SPC-6 apresenta ao tribunal um relatório confidencial de 29 de setembro assinado pelo ex-vice-presidente operacional da Varig, Miguel Dau, com uma avaliação sombria do estado da frota da companhia. O então vice-presidente lista os valores disponíveis para manutenção das aeronaves, demonstrando que até setembro deste ano apenas 40% do total necessário haviam sido destinados ao suprimento de material aeronáutico (US$ 29,2 milhões). No ano de 2004, a Varig gastou apenas 62% do total necessário para manutenção, ou US$ 59,6 milhões. Cerca de US$ 36,5 milhões em peças não foram comprados por falta de recursos. "As empresas necessitam, até a presente data, de US$ 70 milhões para a reativação da frota ora indisponível, e mesmo após a liberação destes recursos a reintegração das aeronaves à frota levará pelo menos seis meses", afirma Dau. Numa tabela incluída no relatório, o vice-presidente demonstra que 25% da frota de Boeings 737-300 e 737-500, ou dez aviões de um total de 41, estão parados por falta de peças. Um Boeing 767-300 dos três que a companhia tem está parado, além de dois dos 12 aviões Boeing MD-11, e dois dos oito Boeing 777. O vice-presidente operacional, que foi demitido junto com a diretoria da companhia pouco depois da audiência, afirma que os funcionários responsáveis pela operação e manutenção "estão submetidos a enorme pressão (...) em virtude da ausência de recursos financeiros, os quais permitiriam a preservação dos padrões aceitáveis de operação". O vice-presidente operacional, em audiências anteriores no tribunal americano, havia garantido que a empresa estava fazendo manutenção dos aviões sem canibalização. As companhias de leasing já foram informadas de que a Varig fará um pagamento antes da audiência de amanhã, mas apresentam dúvidas sobre a suficiência do fluxo de caixa na situação atual para o pagamento das parcelas futuras de leasing. Segundo relatórios de fluxo de caixa anexados ao processo, a situação financeira é instável. Nos meses de setembro e outubro, os resultados de fluxo de caixa variaram entre um máximo positivo de US$ 8 milhões e resultado negativo de US$ 2,3 milhões. Os credores também estão preocupados com o prejuízo registrado no terceiro trimestre pela companhia. O novo presidente da Varig disse anteontem após a assembléia de credores que colocaria de volta em operação seis aeronaves e que deve fazer um pagamento de US$ 20 milhões às empresas de leasing. A única empresa de leasing que abre a possibilidade de negociação no pedido ao juiz é a Central Air. A empresa diz que está disposta a retirar o pedido de derrubada da liminar se "em três semanas [após a audiência] a Varig pagar tudo o que deve e mantiver os próximos pagamentos em dia". (Colaborou Vanessa Adachi, de São Paulo)