Título: Recadastramento pode eliminar um terço do déficit da Previdência
Autor: Mara Luquet
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2006, Brasil, p. A3

Aposentadoria Analistas calculam que limpeza no cadastro do INSS deverá gerar economia de 1% do PIB

No terceiro mês de recadastramento dos aposentados do INSS, analistas já começam a projetar a economia que a limpeza do banco de dados da Previdência vai provocar nas contas do governo e estão surpresos: a redução nos custos deverá ser bem mais significativa do que eles pensavam a princípio. A expectativa é que o impacto sobre o rombo da Previdência seja relevante e possa cortar cerca de um terço do déficit. As estimativas estão entre 10% e 20%, mas a maioria converge para um total de 15% de não-recadastrados no fim do processo, que teve início em novembro e deve ir até fevereiro de 2007 (data prevista da conclusão da segunda etapa). Se confirmadas as projeções, o governo economizará cerca de 1% do PIB. Ou seja, o déficit da Previdência, que hoje é de 2,7% do PIB, cairia para 1,7% apenas com o efeito do recadastramento. Sem dúvida uma boa notícia, mas que expõe o tamanho do descontrole das contas da Previdência. Segundo cálculos do gestor de um grande fundo de pensão, uma redução de 15% sobre o valor dos gastos com pagamentos de aposentados e pensionistas vai gerar economia de R$ 20 bilhões. São números ainda superficiais, e as contas começam a ser aprofundadas por analistas e atuários. Há outros fatores que precisam ser levados em conta, como valor do benefício e expectativa de vida. Mas os analistas não têm dúvida de que essa é a magnitude da economia. Para analistas de investimentos, este é um ponto de grande importância, já que os números da Previdência vai afetar os governos futuros. "Estamos discutindo um superávit primário de 4,5% do PIB, se ganhamos 1% do PIB apenas com eficiência administrativa isso é uma excelente notícia", diz um banqueiro de investimento. Um exemplo flagrante de descontrole administrativo pode ser visto cruzando dados do INSS com os do IBGE. O número de brasileiros com 90 anos de idade ou mais que recebiam benefícios do INSS em 2001 era quase duas vezes maior do que a população nesta faixa etária existente no país no ano anterior. São 474.594 benefícios concedidos nesse grupo, segundo o INSS. Mas o IBGE só enxerga 242.992 brasileiros nessa faixa. O desencontro dos dois cadastros pode ser explicado. "Há pessoas que recebem mais de um benefício", explica José Cecchin, ex-ministro da Previdência no governo Fernando Henrique Cardoso, e hoje consultor da Aggrego. Cecchin explica que os dados da Previdência são por benefícios concedidos, e os do IBGE são por número de pessoas. "Uma mulher que trabalhou, sofreu acidente de trabalho e ficou com seqüelas e hoje está aposentada e viúva, por exemplo, tem direito a três benefícios", diz Cecchin. Nesse caso, ela receberia a aposentadoria dela, a pensão do marido morto e ainda o benefício por conta do acidente de trabalho. Os analistas acham estranho que a diferença seja tão alta e estão certos que uma parcela embute fraudes contra a Previdência ou, no mínimo, erro na contabilidade de um dos órgãos. Seja qual for o motivo, após o fim do processo de recadastramento distorções como essas tendem a ter uma redução. Para chegar a esse índice, os analistas estão vasculhando as contas do INSS e cruzando com o movimento de aposentados nas agências bancárias. Na primeira fase do recadastramento, são esperados os aposentados que recebem o benefício nos dias 1º e 2, um universo de 2,6 milhões de pessoas. Segundo esses analistas, a base funciona como uma amostra confiável, ainda que nessa primeira etapa esteja o grupo com benefícios concedidos até 1994, os mais antigos e, portanto, aqueles com maior incidência de problemas no cadastro. No grupo de benefícios concedidos para aqueles com 90 anos ou mais, por exemplo, 80% estão cadastrados como sexo ignorado. Ou seja, a Previdência não sabe se o pagamento é feito para um homem ou uma mulher. Na segunda fase, que já teve início, o alvo são aqueles que recebem dia 3, e na terceira fase, os que recebem dias 4 e 5. Fechado o ciclo, começa a segunda etapa, cujo alvo são aqueles que se aposentaram até dezembro de 2002. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) a média de atendimento nas agências até agora chega a 55%. No entanto, alguns bancos de porte não chegam a 50%. O Banco do Brasil, responsável pelo pagamento de 25% do universo dos aposentados, só este mês conseguiu chegar à marca de 50% de recadastramento do total de 641 mil clientes que atende. No ABN-Amro Real, o índice está em 42%, e no HSBC, o índice está incrivelmente baixo: 25%. É certo que "o brasileiro deixa tudo para a última hora", como disseram muitos dos especialistas consultados. "Mas a última hora acabou em dezembro!", diz José Alcides Munhoz, diretor-executivo do Bradesco. Dezembro era o limite estabelecido para encerrar a primeira fase da primeira etapa, mas devido ao baixo comparecimento o prazo foi prorrogado para fim de fevereiro. A partir de hoje, o INSS começa a enviar carta aos aposentados que ainda não compareceram ao recadastramento avisando que, se não o fizerem até o fim de fevereiro, deixarão de receber a aposentadoria a partir de abril. O Bradesco é um dos bancos que melhor tem se saído nesse processo. Conseguiu atingir a marca de 63% de aposentados recadastrados, bem acima da média nacional. No Banco do Ceará, comprado pelo Bradesco, a marca chega a 68%. "Além da comunicação tradicional nas agências, mandamos uma orientação a toda a rede para que os pré-atendentes fizessem verdadeiro corpo-a-corpo com a clientela", diz Munhoz. No entanto, mesmo com tamanho esforço, mais de 30% dos aposentados convocados nessa fase ainda não se apresentaram para o recadastramento. O Banco do Brasil também recorreu ao corpo-a-corpo e começa a sentir os resultados agora. Nos primeiros dias de janeiro, o atendimento no BB chegou a 59 mil aposentados, o que significa crescimento de 181% em relação a novembro passado. "Estamos fazendo um esforço enorme, mas certamente não vamos atingir os 100%", diz João Rabelo, gerente-executivo da diretoria de governo do BB. Cerca de 60% dos aposentados recebem seus benefícios nas máquinas de auto-atendimento. Por isso, as máquinas estão com orientações na tela para que eles façam o recadastramento. Os bancos têm interesse em que o maior número possível seja atendido, pois estão recebendo pelo serviço. No ano passado, a Febraban coordenou um contrato feito entre os bancos e o ministério para que eles ficassem responsáveis pelo recadastramento. A remuneração é feita em cima do número de clientes atendidos. O objetivo era facilitar a vida do aposentado, pois ele pode fazer o recadastramento no dia do pagamento, na agência bancária. "Os bancos e o INSS estão fazendo um esforço para mobilizar o público que deve se recadastrar", diz Jorge Higashino, superintendente de projetos especiais da Febraban. "A preocupação agora é concluir a primeira fase, porque o INSS vai bloquear os pagamentos dos que não se recadastrarem." Oswaldo Nascimento, presidente da Associação Brasileira de Previdência Privada (Abrapp), diz que é muito cedo para avaliar o impacto que o recadastramento terá sobre o déficit da Previdência. "Nas regiões rurais, por exemplo, é muito difícil fazer com que o aposentado vá se recadastrar", diz. Mas com certeza, acrescenta, ficará abaixo dos 100%. O processo de checagem periódica é fundamental para manter os bancos de dados livres de fraudes. Nascimento diz que este é um princípio básico para a administração de empresas de Previdência. É necessário, por exemplo, cruzar dados com a conta corrente do aposentado. Isso porque, nos casos de morte, a conta corrente vai para inventário e esta é uma forma de cancelar o pagamento. Os bancos que atuam no mercado de previdência complementar fazem suas checagens todo ano e alguns fazem até em intervalos de seis meses. O HSBC, por exemplo, implementou um sistema junto aos cartórios para ser avisado sempre que ocorre o registro de um óbito. Na avaliação de especialistas, é impossível ter um bom gerenciamento de uma carteira de previdência sem esse controle. "Ter um cadastro limpo é fundamental", diz o gestor da carteira de previdência de um grande banco. Os analistas dizem que o governo não tem a mínima chance de recuperar o que foi pago indevidamente. No entanto, o simples fato de não ter que carregar o passivo para o futuro já é um indicador positivo para as contas do governo.