Título: Congressistas, "vamos votar, vamos votar"
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2006, Opinião, p. A10
Sob o pretexto de que não queria ser acusado de dar "férias à crise", o presidente do Senado, Renan Calheiros, forçou a mão em defesa da convocação extraordinária do Congresso, entre 16 de dezembro e 14 de fevereiro próximos. Os corredores e plenários vazios, o ócio em tempo integral da CPI dos Bingos e o bronzeado das Alagoas exibido pelo próprio Calheiros, na virada do ano, foram demonstrações eloqüentes do equívoco da convocação. A retomada das votações, a partir de hoje, é oportunidade para alguma redenção. Apesar de extensa - 72 projetos na Câmara e 35 no Senado -, a pauta permite a deputados e senadores dar alguma satisfação à sociedade que, entre perplexa e indignada, acompanhou o espetáculo da gazeta bem-remunerada. A começar pelo decreto que extingue o pagamento de dois salários extras a cada congressista, nas convocações extraordinárias do Congresso. Herança de uma época em que o Congresso funcionava na antiga capital, quando as condições de transporte e comunicação eram precárias, que não se justifica mais. Na atual convocação, cada deputado e senador recebeu R$ 25.600 de remuneração extra, além do salário básico, como ajuda de custo para o deslocamento até Brasília e - na saída - para a volta ao Estado de origem. Isso quando o Congresso retoma as atividades ordinárias um dia depois. Cerca de meia centena de deputados anunciou que devolveria o dinheiro extra aos cofres públicos ou faria doação a alguma instituição beneficente. Um vexame! Cerca de uma dezena de deputados havia reservado a doação a entidades que na realidade não passavam de biombos de seus esquemas eleitorais. Mais difícil, por se tratar de matéria que exige quórum qualificado de três quintos dos votos, é a proposta de emenda constitucional que reduz de 90 para 45 dias o período de férias dos parlamentares. Por mais difícil, será um teste efetivo da sinceridade de deputados e senadores em relação a medidas moralizadoras dos usos e dos costumes do Congresso. As férias de 90 dias - no meio (julho), no final do ano (15 dias em dezembro) e no início do ano seguinte (janeiro e 15 dias em fevereiro) - são um acinte em um país onde os trabalhadores, até a virada dos anos 30, ainda eram obrigados a fazer greve para assegurar o direito a férias de 15 dias. O mais provável é que o Congresso faça a opção por dois períodos de 30 dias cada. Ainda é um privilégio, quando a esmagadora maioria da população tem direito à metade disso, mas já é alguma coisa. Um almoço marcado para esta tarde na casa do presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, deve sinalizar a disposição dos líderes partidários em relação e estes e outros temas incluídos na pauta para esta segunda metade de convocação extraordinária e para o restante da estação parlamentar. Medidas destinadas a estabelecer bons costumes em geral são aceitas quando é mais intensa a pressão da opinião pública, mas depois são esquecidas. Será preciso dar conseqüência ao que vier a ser votado. Além disso, em ano eleitoral, quando o Congresso costuma trabalhar só até agosto, é importante atacar outros itens da pauta. A Câmara deve evitar temas como o aumento do número de deputados, projeto incluído na pauta numa absoluta falta de senso de oportunidade. Nada justifica, no entanto, que mais uma vez seja protelada a votação do projeto que cria a Super Receita, uma vez que a própria oposição não tem maiores restrições à proposta. Por maior que seja o embate eleitoral que se avizinha, não há porque não analisar o projeto que cria o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb). Na mesma situação se encontra o projeto da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. É recorrente no meio político o receio de que a próxima campanha eleitoral seja violenta, dado o ambiente de radicalização entre governo e oposição. O Congresso pode dar sua contribuição para desanuviar ao menos em parte esse clima fazendo o que não fez nos últimos 30 dias: trabalhando, votando. Afinal, votar não significa necessariamente aprovar. É hora de Renan Calheiros e Aldo Rebelo adotarem a palavra de ordem do Dr. Ulysses Guimarães, sempre que as sessões da Assembléia Constituinte pareciam vencidas pelo sono: "Vamos votar, vamos votar!"