Título: A travessia longa e esburacada de Severino
Autor: Roberta Campassi e Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2006, Empresas &, p. B3

O desejo de passar o Ano Novo e as férias com os parentes, no Rio Grande do Norte, levou Severino Dionísio dos Santos a pegar o carro comprado há três meses e encarar três mil quilômetros, distância que separa São Paulo de Lagoa Salgada, município próximo a Natal (RN). Severino só tem uma queixa: a quantidade de buracos nas estradas aumentou muito desde que fez a mesma viagem há três anos. Fora isso, ele está satisfeito com a opção. Diz que só trocaria a viagem de carro pela de avião se tivesse condições financeiras para pagar os bilhetes da família toda (esposa e filho). O ônibus está totalmente fora de cogitação para esse nordestino, que há 17 anos migrou para São Paulo, onde trabalha como zelador. Durante esses anos, Severino fez a mesma viagem de ônibus algumas vezes. Mas ele diz temer pela capacidade de o motorista manter a atenção durante a noite. Em resumo, Severino confia mesmo é em sua habilidade na direção e nos cuidados que toma com a manutenção do seu carro. Além disso, gosta de estar com o veículo próprio para circular na terra natal. Todos os dados da aventura estão na memória. Ele, esposa e filho, de sete anos, deixaram São Paulo às 3h40 do dia 28 de dezembro. A viagem começou na Via Dutra. Em Volta Redonda (RJ), o grupo, a bordo de um Polo Classic 99 com motor 1.8, seguiu pela BR 116 até Feira de Santana (BA). Dali, pela BR 101, a viagem seguiu direto até o sítio dos familiares. Foram duas pausas para dormir, uma em Minas Gerais e outra em Sergipe. Às 15h30 do dia 30, Severino - o único motorista - e família puderam esticar as pernas já no Rio Grande do Norte. A soma dos custos da ida não chega a R$ 800. Com RS$ 700, Severino abasteceu o carro que rodou 14 quilômetros por litro de gasolina, pagou duas diárias de pensão e alimentação. Somam-se, ainda, RS$ 60 para o óleo do motor. Mais cerca de RS$ 20 foram deixados nos pedágios da Via Dutra e R$ 5 no borracheiro que consertou uma roda, danificada num buraco, o único acidente do percurso. Fora isso, a família Santos gastou mais R$ 1 com um dos inúmeros garotos que passam os dias nas estradas do Nordeste tapando buracos. A volta da família, programada para o dia 23, é uma preocupação. Severino diz que se fosse registrar o número de buracos que viu "nem todos os cadernos do mundo seriam suficientes". Ele até já pesquisou caminhos alternativos com caminhoneiros. Mas concluiu que não há muitas opções. E já começa a se preparar para encarar os três mil quilômetros da volta para São Paulo. (MO e RC)