Título: Transporte rodoviário perde passageiros
Autor: Roberta Campassi e Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 16/01/2006, Empresas &, p. B3

Concorrência Crescimento de serviços clandestinos e maior uso do carro e do avião em viagens penaliza companhias

Nos últimos anos, o transporte rodoviário intermunicipal e interestadual tem perdido passageiros. Algumas das grandes empresas viram o número de clientes cair e ainda não conseguiram recuperá-los. O índice mais importante do setor (passageiro/quilômetro transportado), indica que a produtividade das companhias está menor. Entre as causas que explicam a queda estão o crescimento do transporte clandestino (ver matéria nesta página),o maior uso do carro e do avião em viagens, principalmente nos trechos longos. A concorrência interna do setor não é apontada como um motivo relevante. Dados da Socicam, empresa que administra 18 terminais rodoviários em cinco Estados do país, mostram que o número de embarques nas rodoviárias que gerencia está caindo desde 1995. Entre 1998 e 2004, a queda foi de 17,5%. O movimento em 2005 também diminuiu cerca de 2,4% em relação a 2004, situação que é explicada, em parte, porque muitos feriados no ano caíram no fim de semana, o que desestimulou as viagens. Números da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), órgão do Ministério dos Transportes, sobre o movimento rodoviário interestadual e internacional também mostram a queda. Comparando-se dados de 175 empresas em 1998 e 2004, o número de passageiros cresceu de 118,9 milhões para 128,2 milhões. No entanto, estão inclusos nesse cálculo os passageiros das linhas semi-urbanas - rotas com menos de 75 quilômetros que cruzam divisas entre Estados ou fronteiras de países, mas, na prática, são urbanas. Essas linhas incluem, por exemplo, trechos ligando Brasília às cidades satélites fora do Distrito Federal, que tiveram uma explosão de crescimento nos últimos anos. Se o volume de passageiros das maiores empresas que fazem essas rotas não tivesse crescido, o número total de pessoas viajando de ônibus interestadual entre 1998 e 2004 teria caído de 118,9 milhões para 110 milhões. Segundo as empresas, a queda do número de passageiros não se deve ao aumento da concorrência no setor, que ainda apresenta pequeno grau de competitividade, especialmente nas rotas menos procuradas. Nos últimos seis anos, segundo a ANTT, não surgiram novas companhias de transporte permissionárias, ou seja, que operam linhas fixas e não de fretamento. É comum encontrar trechos ainda operados por duas ou apenas uma empresa, caso da rota entre São Paulo (SP) e Uberlândia (MG), feita somente pela Nacional Expresso. Segundo Ronaldo Fassarella, superintendente da Viação Itapemirim, a maior do setor com atuação em 23 Estados, além dos veículos clandestinos, a má situação das estradas, que assusta o passageiro, é outra grande preocupação. A situação econômica do país também tem influência. "Nossa atividade sempre acompanha a performance da economia", diz Juvercy Alves de Oliveira, assessor da diretoria da Gontijo e da São Geraldo, empresas mineiras. Em anos de pouco crescimento e desemprego, as pessoas viajam menos e ficam mais propensas a usar o transporte clandestino. O automóvel, com a valorização do real e o aumento da facilidade de financiamentos, tornou-se alternativa viável para um número maior de brasileiros, além de ser mais econômico quando transporta mais de duas pessoas. Entre 1998 e 2004, a frota de carros de passeio cresceu de 15,3 milhões para 18 milhões, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes Automotivos (Sindipeças). O transporte aéreo, por sua vez, também ganhou força no Brasil. Segundo a Infraero, em 1998 o volume de passageiros em vôos domésticos era de 53,7 milhões, número que saltou para 75,7 milhões de janeiro a novembro de 2005, um aumento de 40%. Robson Rodrigues, presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estados de São Paulo (Setpesp), afirma que o transporte aéreo concorre com o ônibus nas rotas que ligam grandes centros e naquelas com mais de mil quilômetros. "O problema é que as linhas entre os grandes centros são as mais importantes para as empresas de transporte rodoviário", diz Rodrigues. "No entanto, o avião ainda não chegou às classes C, D e E, os principais públicos dos ônibus." A queda de um indicador fundamental para o setor aumenta a preocupação das empresas. O índice passageiro/ quilômetro relaciona os custos, reajustes tarifários, número de passageiros e quilômetros viajados. Quando ele cai, é sinal de que a produtividade das empresas cai também, ou seja, elas transportam menos pessoas com custos iguais ou maiores. De 1998 a 2004, conforme a ANTT, esse índice permanece praticamente estável, mas, em compensação, o número de empresas que passou a fornecer os dados no período subiu de 176 para 233. "Há dez anos, o índice passageiro/quilômetro só diminui", afirma José Paulo Garcia Pedriali, gerente geral da Viação Garcia, Ouro Branco e Princesa do Ivaí. "Esperamos que o fundo do poço esteja próximo e que a situação se estabilize." A Itapemirim, por exemplo, viu seu índice de produtividade cair 21,85% entre 1998 e 2004, de acordo com cálculo feito pelo Valor baseado em dados da ANTT. A receita da empresa, no entanto, cresceu nesses seis anos, compensada pelo aumento das tarifas, que no período foi autorizado em até 118%. Para melhorar o desempenho, Ronaldo Fassarella afirma que a viação também reduziu a oferta em algumas linhas. A Viação Cometa, que concentra sua atuação no Estado de São Paulo, também viu seu índice baixar desde 1998, mas a partir de 2002, quando um novo grupo de acionistas assumiu a companhia, começou a mantê-lo. Segundo Ivan Comodoro, superintendente da Cometa, as linhas da empresa têm, em média, 250 quilômetros de extensão, o que a protege da competição com o setor aéreo. Para tentar reverter a situação e reconquistar clientes perdidos, as empresas de transporte rodoviário têm apostado em ônibus mais modernos, serviços mais sofisticados e novas formas de pagamento. Com serviços melhores, concentrados nos ônibus executivos e leitos, as viações encontraram uma forma de poder cobrar mais pela viagem. A Cometa, conhecida pelo modelo de carroceria que imitava um ônibus americano antigo, começou três anos atrás a mudar a cara do veículo para deixá-lo mais moderno. Também passou a aceitar pagamentos em cheque e cartão de crédito, em vez do dinheiro vivo, apenas. Em dezembro, a Cometa inaugurou seu serviços de entregas expressas, o Cometex. A Itapemirim, que possui o serviço de entregas Itex, criou uma revista de bordo, serviços de lanches e vídeo e um cartão de fidelidade. A Viação Garcia, do Paraná, aposta nos ônibus-leito, que permitem tarifas mais altas e são mais confortáveis.