Título: Uma revolução capitalista em curso
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2005, Brasil, p. A2

O ano de 2005 foi excepcional para a bolsa brasileira. Não apenas pela rentabilidade do índice Bovespa, que está quase dez pontos percentuais acima do CDI no acumulado do ano, mas também pela entrada de novas empresas no mercado e pelo aumento das ofertas de ações. Foram R$ 14 bilhões em ofertas este ano, em comparação com R$ 9 bilhões no ano passado e R$ 2 bilhões no ano anterior. O levantamento é do banco de investimentos Credit Suisse First Boston (CSFB), responsável por 40% das operações em 2005, e a boa notícia é que o cenário macroeconômico previsto para o próximo ano indica continuidade do que o chefe da área de análise e corretagem do banco, Marcelo Kayath, chamou de "revolução do capitalismo brasileiro", ou o uso, finalmente, do mercado acionário como fonte de recursos para o setor produtivo. A expectativa dos economistas é de que o Brasil continue a crescer em 2006. As estimativas para a expansão do PIB variam de 2,8% a 3,5%. É um número menor do que a previsão para o crescimento mundial, de 4,6% (sendo a China responsável, sozinha, por cerca de 30% da expansão global), e ainda mais modesto se comparado à previsão para os emergentes, de 6% (excluindo-se o Brasil). Mas, se concretizada, a expansão brasileira marcará o mais longo ciclo de crescimento nos últimos 15 anos, segundo levantamento do economista-chefe do CSFB, Nilson Teixeira. O economista ressalta que, além da duração do ciclo, tem um impacto positivo para o mercado de capitais a menor volatilidade. Em 2005, a crise política já foi um teste. E, pela primeira vez, não afetou de forma significativa a economia. Em 2006, a despeito das eleições, não estão previstos grandes solavancos. A expectativa de Teixeira é de que a disputa fique polarizada entre o PT e o PSDB, sem sustos. "O único risco que vejo no horizonte é uma redução do crescimento mundial." A inflação não assusta. A previsão dos economistas é de que a taxa em 2006 ficará um pouco acima ou um pouco abaixo da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%. E isso leva a crer que o juro manterá sua trajetória declinante ao longo do ano. Teixeira, por exemplo, prevê uma taxa Selic de 14,5% no fim do próximo ano. O juro real, portanto, pode ficar na casa de um dígito. Expansão econômica, inflação sob controle e trajetória declinante dos juros formam um quadro amplamente favorável ao mercado acionário. E também devem contribuir para o aumento da massa salarial, que estimula o setor de bens de consumo. Por isso, a expectativa dos bancos de investimento é de que há uma oportunidade para empresas desse segmento na bolsa. A bolsa brasileira sempre teve preponderância de companhias de infra-estrutura, como energia, mineração e telecomunicações. Na época das privatizações, isso foi um atrativo. "Mas, hoje, o setor de telecom, por exemplo, perdeu atratividade. E há uma moda entre os investidores, que preferem empresas de varejo e de bens de consumo", diz um banqueiro de investimentos.

Empresa de consumo vira vedete com PIB maior

Kayath, do CSFB, confirma a perda de atratividade da área de telecom, que ainda hoje responde por cerca de 30% do índice Bovespa. Além das expectativas sobre a rentabilidade, contribuem para o baixo ânimo, segundo ele, problemas de governança em algumas dessas empresas e disputas societárias como a da Brasil Telecom. "A bolsa brasileira sempre concorreu com a do México. Mas o mercado de lá vinha atraindo mais capital porque a bolsa mexicana tem uma participação maior de companhias de varejo e de bens de consumo. Esse quadro começou a mudar", diz Kayath. Em 2005, o apetite dos investidores por esses segmentos já pôde ser testado com as ofertas de ações de companhias como Submarino, Natura e Renner, a primeira rede de varejo a ter seu controle pulverizado. Esse movimento deve persistir em 2006, com a já engatilhada operação de Magazine Luiza, entre outras. Outro setor que deve aproveitar os bons ventos em direção ao mercado acionário é o da construção civil. Crescimento econômico persistente estimula expansões industriais e a locação de imóveis comerciais. Também tem efeitos positivos sobre a decisão das pessoas em comprar imóveis residenciais, segmento bastante sensível à redução da taxa de juro. Um sinal de que esse setor tende a ter uma participação maior na bolsa foram duas operações anunciadas esta semana para ingresso de companhias no Novo Mercado, o nível mais alto de governança corporativa da Bovespa. A Company, que não tem ações em circulação e que atua no mercado imobiliário de São Paulo, fará uma oferta de R$ 200 milhões. Cerca de R$ 150 milhões serão utilizados para aumentar o capital da empresa, dando a ela fôlego para investimentos em 2006. A Rossi Residencial, que ficou famosa nos anos 90 por seu sistema de autofinanciamento - o Plano 100 - fará uma oferta que aumentará seus papéis em circulação no mercado de 19% do capital para pouco mais de 25%. Ambas seguem o caminho trilhado neste ano pela Cyrela Brazil Realty, que estreou no Novo Mercado em setembro passado. Há ainda uma terceira operação engatilhada - embora ainda não anunciada - da Gafisa, cujo controle está hoje nas mãos do grupo GP. O quadro para os próximos anos, como se vê, é favorável, embora pudesse ser melhor se o Brasil aproveitasse a fase de farta liquidez internacional e de expansão mundial para crescer mais. Cabe ao governo fazer seu dever de casa. Persistir na estratégia de reduzir a relação dívida líquida/PIB e manter os estímulos ao mercado de capitais, como a recente isenção de Imposto de Renda dada aos investimentos em fundos imobiliários. Ou, no mínimo, não atrapalhar, como costumam brincar executivos do setor privado.