Título: Liberado acesso aos arquivos da ditadura
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2005, Política, p. A6

Governo Consulta está aberta ao público a partir de janeiro de 2006 no Arquivo Nacional, em Brasília

Visivelmente emocionada, olhos vermelhos, tosse persistente interrompida após um gole de água, a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Roussef, anunciou ontem a transferência para o Arquivo Nacional, em Brasília, de todos os documentos secretos do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), Conselho de Segurança Nacional e Comissão Geral de Investigações, que estavam guardados na sede da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). São dados, depoimentos, dossiês, livros, cartazes de filmes e panfletos, originais ou copiados, elaborados especialmente durante o regime militar, mas que compreendem um período que acaba em 1990. Eles ficarão disponíveis, a partir de janeiro, especialmente para os personagens envolvidos diretamente no caso. Para historiadores e público em geral, as informações serão livres, ressalvando o princípio constitucional de respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. "A sociedade passa a se apropriar de um momento histórico. Estes arquivos deixam de ser objeto de inteligência e passam a ser objeto de reflexão sobre a democracia", defendeu a ministra. Segundo Dilma, um dos pontos centrais é entender porque, em um determinado momento da história, brasileiros perseguiram, prenderam, torturaram e mataram outros brasileiros. "Não se pode admitir que, por diferenças de opinião, as pessoas sejam proibidas de se manifestar. A gente tem que resgatar o repúdio à tortura como um princípio universal", destacou. Dilma Roussef, contudo, fez questão de separar os atos cometidos contra os presos políticos durante o regime militar e o papel das Forças Armadas no cenário atual. "Civis e militares foram responsáveis por essa situação, mas não podemos comprometer a Instituição. As Forças Armadas, hoje, são fundamentais na manutenção da soberania nacional, na apropriação de tecnologia e na construção de estradas", exemplificou a ministra. Toda a documentação até 1975 é passível de consulta. A partir desta data, existem restrições aos documentos classificados como secretos (sigilos de 20 anos) e ultra-secretos (sigilos de 30 anos). "Ano que vem expira o sigilo dos documentos secretos de 1976 e assim por diante", explicou a ministra. Dilma esclareceu que as ações, operações e fatos ocorridos durante a ditadura poderão ser consultados, mas ressaltou que os documentos transferidos para o Arquivo Nacional relacionam-se, fundamentalmente, a pessoas. No caso do SNI, são 220 mil microfichas, que representam um milhão de folhas microfilmadas, além de 13 arquivos de aço com fotos, cartazes, filmes, livros, panfletos e revistas, correspondendo a um período de 1964 a 1990. Do antigo Conselho de Segurança Nacional, vieram dados sobre cassações políticas, de 1964 a 1980, catalogados em 311 caixas-arquivo e 90 metros de documentos. Da Comissão Geral de Investigações, mais 948 caixas-arquivos e 265 metros de documentos relativos a enriquecimento ilícito. A ministra da Casa Civil não acredita, contudo, que haja informações sobre os mortos e desaparecidos políticos, e classificou como "ingenuidade" achar que aparecerão os nomes reais ou identificações de eventuais torturadores. Para ela, o número de mortos pela ditadura brasileira é bem menor do que os assassinatos no Chile e na Argentina. Confirmou que, até onde o governo sabe, este acervo abrange todos os documentos referentes ao período. Mas pediu que, se alguém souber de algo, comunique ao Executivo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi evasivo ao comentar, após a posse do novo secretário de Direitos Humanos, seu amigo Paulo Vanuchi, a transferência dos documentos da ditadura para o Arquivo Nacional. "É a seqüência de tudo o que acontece no Brasil desde a proclamação da República", disse.