Título: Quércia ressurge das cinzas num momento de vácuo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2005, Opinião, p. A10

A principal surpresa da política neste final do ano foi a pesquisa Datafolha, publicada no dia 26 de dezembro, indicando o favoritismo do ex-governador Orestes Quércia, do PMDB, na disputa pelo governo do Estado que ocorrerá em 2006. A pesquisa é apenas um corte do momento, foi feita num período em que o PT ainda não tem candidato definido e, no PSDB, os nomes que despontam como postulantes têm pouquíssima visibilidade. Além do mais, Quércia protagonizava, no momento da pesquisa, os programas partidários do PMDB no rádio e na televisão. Ainda assim, o fato do ex-governador ter conseguido superar a barreira de um dígito, depois de sucessivas tentativas de voltar ao poder, é um dado relevante para se botar na mesa, neste ano eleitoral de 2006 que se inicia. Uma hipótese a se considerar é que existe um eleitorado conservador no Estado que não terá, nessas eleições, um candidato catalisador de seus votos no primeiro turno. O ex-governador Paulo Maluf, que amargou dias de cadeia durante o ano, está fora da eleição depois de participar de quase todas elas desde que perdeu o Colégio Eleitoral, em 1985, como candidato a presidente da República, ao governo ou à prefeitura da capital. Maluf persistiu no cenário político paulista apesar de ter sido derrotado seis vezes em eleições diretas e uma vez numa eleição indireta para presidente, e de ter sido vitorioso apenas na única eleição parlamentar que disputou, em 1982, e na eleição para a prefeitura de São Paulo, dez anos depois. Isso porque existe um núcleo duro malufista, composto por votos conservadores e de eleitores de baixa renda cativados pelo populismo de direita, que está órfão nessas eleições. Maluf dispunha de uma faixa próxima aos 20% do eleitorado paulistano, algo semelhante a isso do paulista. Podia aumentar ou diminuir sua votação a depender do adversário. Na ausência de um nome que herde esse público cativo, Quércia pode se configurar como alternativa. O outro dado a ser considerado na pesquisa que ressuscita Quércia é que nem mesmo numa realidade de vácuo no espectro conservador o PFL conseguiu entrar em São Paulo. A dificuldade do partido de conseguir substância eleitoral no maior Estado da federação é histórica. Em momentos passados ela poderia ter sido atribuída ao fato de que era Maluf quem capitalizava os votos conservadores. O ex-prefeito não está mais no páreo - mas, ainda assim, entre o PFL e a Região Sudeste ainda existe um muro. O partido de Jorge Bornhausen e Antonio Carlos Magalhães apenas conseguiu crescer no Rio de Janeiro por meio de uma liderança populista, do prefeito César Maia. Por último, a pesquisa do Datafolha mostra que a crise política que praticamente imobilizou o país em 2005 pode mudar o perfil das eleições no ano que vem no Estado-berço do PT e do próprio PSDB, os dois partidos que hoje polarizam a política nacional. O PT de São Paulo quase personifica o escândalo do PT nacional, o que é um reflexo do peso que a seção paulistana sempre teve na dinâmica partidária nacional. O PSDB, por sua vez, vive o momento de ressaca da hegemonia paulista, fruto das contradições inerentes à política tucana nos dois governos de FHC: enquanto havia uma hegemonia técnica dos paulistas, que tinham o monopólio das decisões econômicas, o partido era inflado pela cooptação de parlamentares de outros Estados. Hoje, embora os dois candidatos a candidato do partido à Presidência sejam paulistas - e um é governador, Geraldo Alckmin, e o outro prefeito da capital, José Serra -, a dinâmica partidária fez mais novos líderes em outros Estados do que em São Paulo. Os postulantes tucanos ao governo não conseguiram visibilidade no Estado, nem mesmo os que ocuparam cargos nacionais. O vereador José Aníbal já foi senador e presidente do PSDB; Aloysio Nunes Ferreira e Paulo Renato ocuparam ministérios - e nenhum dos três é suficientemente conhecido para figurar entre os preferidos dos eleitores em um colégio eleitoral em que, desde a posse de Lula na Presidência, se polarizou entre PT e o PSDB. E num momento em que o PT amarga os desgastes de denúncias de corrupção que podem atingir, em especial, o núcleo duro dos votos petistas entre os paulistas, constituído por eleitores ideologizados e os sufrágios que foram antes destinados ao partido que se dizia incontaminável pelos pecados capitais da política tradicional.