Título: Qual o futuro da Europa?
Autor: Charles Wyplosz
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2005, Opinião, p. A11

Atual time de líderes da UE desapontou, mas, conforme forem saindo, poderá surgir luz no fim do túnel

De muitas maneiras, 2005 foi o "annus horibilis" para a Europa. Começou bem, quando o eleitorado espanhol aprovou a redação preliminar para a Constituição da União Européia (UE), mas a coisa azedou quando os eleitores franceses e holandeses a rejeitaram logo depois. Essas recusas refletiram, em parte, a insatisfação com as políticas domésticas e, em parte, a frustração diante da maneira como os governos estavam conduzindo as questões européias. Os governos prontamente retrucaram com mais do mesmo. Apenas dias depois dos referendos, eles não conseguiram acordar sobre o orçamento da UE para 2007-13. Os líderes da França e do Reino Unido engajaram-se em acalorada disputa que comprometeu o encontro de cúpula subseqüente, antes que o Reino Unido assumisse em julho a presidência rotativa de seis meses na UE. Normalmente, os países aproveitam seus períodos na presidência da UE para demonstrar sua capacidade de solucionar problemas e de levar a União adiante. Mas, a partir do início de dezembro, o Reino Unido tem estado adormecido. Além de ter engavetado a projeto de Constituição, os britânicos, em larga medida, evitaram a questão do orçamento. São escassas as chances de que o orçamento seja aprovado neste ano, e a menos que a discordância seja resolvida rapidamente, a União não terá um orçamento operacional em 2007. Mesmo se um orçamento for adotado, não faltarão temas agourentos para o período austríaco na presidência, que começa em 1º de janeiro. O problema mais profundo é a incapacidade européia de crescer a mais do que a passo de lesma e de assegurar empregos a seus cidadãos. Isso se deve principalmente aos "Três Grandes" - França, Alemanha e Itália -, que produzem 70% do PIB europeu. A reação coletiva, adotada em 2000, foi a "Estratégia de Lisboa", cujo objetivo é, até 2010, transformar a UE "na mais dinâmica e competitiva economia baseada em conhecimento em todo o mundo". Mais realisticamente, a estratégia foi estabelecida de modo a criar incentivos para que os governos empreendam reformas que estimulem crescimento econômico e produtividade. Isso significa enfrentar a miríade de grupos de interesses - de lobbies setoriais a sindicatos e burocracias enraizadas - que, até agora, conseguiram sucesso na proteção de seus territórios. Uma estratégia baseia-se em pressão de pares, em denúncias à opinião pública e em embaraçar os governos que não fizerem progressos. Na prática, porém, a pressão de pares transformou-se em conluio entre os pares. Quando os líderes da UE reuniram-se no primeiro semestre deste ano para avaliar os avanços, eles admitiram que, lamentavelmente, é improvável que o objetivo da "Estratégia de Lisboa" seja atingido. O melhor que eles, então, poderiam fazer seria enterrar a ficção de uma estratégia e seguir em frente com outras questões. Infelizmente, o anfitrião da cúpula de 2000 foi José Manuel Barroso, o então primeiro-ministro de Portugal e atual presidente da Comissão Européia (CE), que apostou sua presidência na "Estratégia de Lisboa". Ele deverá tentar persegui-la irremediavelmente. Uma das poucas boas idéias contidas na "Estratégia de Lisboa" é a de eliminar as barreiras à comercialização de serviços. A competição intra-européia no setor de serviços é limitada por inumeráveis regulamentos nacionais que, por exemplo, estabelecem rigorosamente os requisitos para exercer as profissões de cabeleireiro ou encanador. Um dos traços definidores das últimas décadas é o acentuado aumento na produtividade de serviços nos EUA; nada disso ocorreu na Europa. Adivinhe por quê.

O melhor que dirigentes europeus poderiam fazer seria enterrar a "Estratégia de Lisboa" e seguir em frente com outras questões

Tendo em vista que serviços é um setor que responde por 70% do Produto Interno Bruto (PIB) europeu, o possível impacto de maior competição é substancial. Mas eliminar o protecionismo é sempre politicamente difícil. Em 2005, a CE apresentou uma proposta exatamente no momento em que a proposta de Constituição estava submetida a referendos. Não é de surpreender que a proposta tenha sido rapidamente engavetada. Agora, com inumeráveis grupos de interesse privados tentando reduzi-la à irrelevância, a batalha estará firmemente na agenda de 2006 da UE. Ao mesmo tempo, a Europa está novamente bloqueando avanços na Rodada Doha de conversações sobre o comércio mundial, pois o lobby dos produtores rurais está brigando para preservar seus subsídios. Muitos governos estão tão receosos de seus agricultores que não vêem alternativa a manter seus privilégios, haja o que houver. A Europa firmou consenso em relação a uma política de comércio única. Quando os desacordos são tão profundos quanto no caso da agricultura, não há concessões mútuas do tipo que dão margem a sucesso nas negociações. Há escassas razões para otimismo. E o que fará a seguir o Banco Central Europeu (BCE), que recém elevou os juros em 0,25%, depois de 30 meses sem alteração? Os especialistas podem discordar sobre se a decisão foi prematura, mas ninguém concorda com os diversos líderes políticos que alegaram que a minúscula elevação asfixiará a tímida retomada do fôlego econômico. A incisividade dos ataques políticos contra o BCE poderá abrir uma temporada de caça à independência do banco central. Embora isso seja algo fora de questão - pois exigiria uma modificação no Tratado da Europa -, o "ruído" é insalubre. Ele tira o foco do BCE, aumenta a impressão de que Europa é má, e, o que é mais importante, será usado por governos ineficazes como um bode expiatório para responsabilizar por suas falhas. A malhação do BCE vai prosseguir. Estará a Europa encalacrada? O atual time de líderes revelou-se um enorme desapontamento. Mas, à medida que eles forem se retirando do palco, poderá surgir alguma luz no fim do túnel. Na Alemanha, a primeira-ministra Angela Merkel é, evidentemente, mais otimista sobre a Europa e mais pró-reforma do que seu predecessor, mas ela está amarrada a uma grande coalizão. Na França, o presidente Jacques Chirac, o epítome de um líder seqüestrado por seus lobbies, mostra-se espantosamente impotente ao aproximar-se o fim de seu mandato, em 2007. São reformistas as plataformas dos dois favoritos a suceder Chirac - Dominique de Villepin e Nicolas Sarkozy, ambos ora no governo -, mas anos pré-eleitorais não encorajam decisões ousadas. Por seu turno, a Itália precisa decidir se substituirá o primeiro-ministro Silvio Berlusconi - que não demonstrou qualquer interesse em reformas ou em questões européias - pelo cauteloso Romano Prodi, ex-presidente da Comissão Européia (CE). Tony Blair, antes um ardente pró-UE (ao menos segundo os não exigentes padrões britânicos), poderá, finalmente, ter de passar o bastão a Gordon Brown, que é sabidamente refratário à integração européia. Felizmente, o Reino Unido sempre foi um outsider. No fim das contas, qualquer luz que possa surgir poderá não brilhar até 2007, após as eleições na França.