Título: Juros reais e câmbio
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2006, Brasil, p. A2

A revista semanal "The Economist" acompanha de perto (por seus correspondentes) a evolução econômica de 25 países classificados como emergentes, entre eles os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Os números são confiáveis porque colhidos nas melhores fontes de cada país por jornalistas altamente especializados. No seu último número de 2005 (24 de dezembro de 2005) ela registra as variações da conjuntura dos 25 países entre a terceira semana de dezembro de 2005 e a sua homóloga de 2004. Vamos aproveitar essas informações para tentar entender o que aconteceu com a desvalorização do dólar no Brasil em 2005. A tabela abaixo registra a taxa de juro real de cada país no final do ano, ao lado da variação da cotação do dólar nominal no período da 3ª semana de dezembro de 2004 à 3ª semana de dezembro de 2005. Para sintetizar as informações, dividimos as duas variáveis verificadas em cada país em três intervalos:

- Juros reais: -4 a 0, 0 a 4 e maior do que 4;

- Valorização: menos de 5, -5 a 5 e maior do que 5.

Dentro de cada casícula está registrado o número de países que satisfazem às duas condições. Por exemplo, vemos que 11 países tiveram variação cambial nominal entre (-5%) e (5%), ou seja, tiveram suas moedas desvalorizadas em 5% ou valorizadas em 5% (com relação ao dólar) e suas taxas de juros reais variaram de 0 a 4% ao ano. O Brasil está, juntamente com outros dois países (México e Egito), na casícula que registra juro maior do que 4% ao ano e valorização da moeda acima de 5%. A tabela mostra que 21 dos 25 (84%) países emergentes praticaram taxa de juro real menor do que 4% e que 19 dos 25 (76%) países viram a sua taxa de câmbio flutuar entre mais e menos 5%, o que confirma o ditado que "câmbio flutuante em geral flutua, mas não voa..." Um fato curioso é que todos os países que mantiveram taxa de juro real negativa viram sua taxa de câmbio sofrer apenas as flutuações "normais" (-5 a +5%). Há uma clara relação entre o nível da taxa de juro real vigente no fim do ano e a valorização da taxa de câmbio nominal, sugerindo que pelo menos parte da flutuação cambial é controlada pelo nível da taxa de juro real. A variação da taxa de câmbio efetivo que interessa ao exportador depende, obviamente, da evolução dos preços e dos custos de produção do bem exportado. Por exemplo, a nossa taxa de câmbio nominal era na terceira semana de dezembro de 2004 da ordem de R$ 2,71 /dólar e na sua homóloga de 2005 era de R$ 2,34 /dólar, com uma valorização nominal de 12,5%. Supondo que o preço médio dos sapatos nos EUA cresceu 3% por conta da inflação americana e que o custo de produção no Brasil cresceu 6,2% (a inflação pelo IPCA), a taxa de câmbio para obter a mesma margem de lucro interna seria de 2,71 (1,062)/1,03 = 2,79. A medida da valorização efetiva é de 14,7% e não 12,5%.

O gráfico mostra a relação entre a variação cambial nominal de cada país e a taxa de juro real do fim do período:

Vemos a clara relação entre juro real maior e maior valorização. A posição do Brasil é extrema: com uma taxa de juro real de fim de período da ordem de 11% temos uma supervalorização cambial da ordem de 12,5%, um ponto consideravelmente fora da curva. A relação é, obviamente, imprecisa, mas mostra que só em 2005 estamos com uma valorização adicional à de 2004 da ordem de 5% a 6%. É pouco provável que a supervalorização se deva apenas ao sucesso exportador (ajudado pela murcha da importação derivada do pequeno crescimento do PIB), porque nosso saldo em conta corrente, apesar de importante, é apenas o sexto dos 25 países. O complemento de valorização se deveu, de um lado às aplicações na Bolsa de Valores (onde o resultado em dólares em 2005 foi de 40% no ano) e, de outro, à compra de reais na Bolsa de Mercadorias & Futuro, com operações de derivativos típicas de arbitragem da taxa de juro que estabelecem o câmbio futuro. A venda bem-sucedida de reais contra dólares (e a sustentação das suas cotações) mostra que nossa taxa de juro real transformou o real na mercadoria mais lucrativa de 2005.