Título: Venda de manufaturado perde fôlego
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2006, Brasil, p. A3

Conjuntura Câmbio valorizado afeta competitividade de algumas empresas no exterior

Depois de crescer a um ritmo bem superior ao das exportações globais de manufaturados em 2003 e 2004, as vendas externas brasileiras desses produtos começaram a perder dinamismo no ano passado. O câmbio valorizado é o principal responsável pelo movimento, segundo analistas. A LCA Consultores estima que, em 2005, o volume de exportações de manufaturados brasileiros aumentou 11,2%, bem abaixo dos 26,1% registrados em 2004. Para este ano, a consultoria prevê crescimento de 5,6%, inferior aos 7,6% esperados para as exportações globais. Para a economista Cristiana Sant'Anna, da LCA, o dólar barato dificulta a obtenção de novos mercados, além de levar à perda de alguns nichos duramente conquistados nos últimos anos. O câmbio ainda não ameaça os robustos saldos comerciais do Brasil, mas afetou a competitividade de algumas empresas no exterior, como mostram os exemplos dos fabricantes de ônibus (como a Marcopolo) e de instrumentos médicos (como a Becton Dickinson). O presidente da Becton Dickinson (BD) no Brasil, Geraldo Barbosa, diz que a forte valorização do câmbio provocou a perda de contratos de exportação da empresa para empresas de países como Coréia do Sul, China e Cingapura. "A empresa tem que procurar aumentar a produtividade, mas há limites para isso. O câmbio abaixo de R$ 2,30 afeta a competitividade de nossos produtos." A BD perdeu espaço que havia conquistado em mercados como Europa e México. Segundo Barbosa, o ideal para a empresa seria um câmbio na casa de R$ 2,60 a R$ 2,70, nível que não deve ser atingido neste ano. Mesmo com pesadas intervenções no mercado, o Banco Central (BC) não tem sido capaz de impedir o recuo das cotações abaixo de R$ 2,30. Com isso, o mercado externo perde espaço na estratégia da empresa, diz Barbosa. Em 2004, a BD exportou US$ 41 milhões, número que caiu para US$ 32 milhões no ano passado. Para 2006, ele estima que as vendas externas devem ficar na casa de US$ 20 milhões. O vice-presidente da Marcopolo, José Antônio Martins, também reclama do dólar barato. Segundo ele, que comanda a Associação Nacional dos Fabricantes de Carroçarias para Ônibus (Fabus), o câmbio valorizado fez as empresas do setor perderem mercado no Oriente Médio, em países como Arábia Saudita, Kuait e Emirados Árabes Unidos. De janeiro a novembro de 2005, as empresas da Fabus exportaram 7.713 ônibus, um pouco abaixo dos 7.847 unidades exportadas em 2004. Com preços mais competitivos, empresas da Turquia e do Egito ganharam mercado das companhias brasileiras no Oriente Médio, aproveitando também a proximidade geográfica. Ele afirma que o setor conseguiu repassar algum aumento de preço nas vendas para América do Sul e Caribe, mas não para o Oriente Médio. Martins também acredita que um câmbio entre R$ 2,60 e R$ 2,70 seria mais apropriado para os fabricantes de ônibus. Para ele, é possível que haja uma queda nas vendas de 5% a 10% em 2006. Ele também ataca a forte oscilação do câmbio no Brasil, o que dificulta o planejamento das empresas. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, avalia que o dólar barato deve fazer com que as empresas percam mercado exatamente em regiões como o Oriente Médio, conquistados há pouco tempo e nos quais a presença brasileira ainda não está consolidada. O estudo da LCA ressalta que em 2005 foi estancado o processo de forte aumento da participação das exportações brasileiras de manufaturados no mercado internacional, que havia sido forte em 2003 e 2004. As estimativas são de que o crescimento do volume de vendas externas de manufaturados fechou o ano passado com crescimento de 11,2%, mas a LCA avalia que "esse resultado constitui uma ilusão estatística": "Se o volume de vendas externas tivesse se mantido ao longo de 2005 em nível dessazonalizado idêntico ao alcançado em dezembro do ano anterior, sua taxa de expansão anual sobre 2004 teria sido de 12%. Em outras palavras, em 2005 o volume exportado de manufaturas se manteve basicamente estagnado." Os números fechados de 2005 referentes à quantidade exportada ainda não foram divulgados. De janeiro a novembro, houve expansão de 12,7%. O diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio Gomes de Almeida, espera um crescimento bem mais modesto do volume de vendas de manufaturados em 2006, considerando factível algo como 5% a 6%, próximo à previsão de 5,6% da LCA. Para ele, esse resultado deve ser puxado pelo crescimento ainda forte da economia global. Almeida lamenta a perda de dinamismo, porque deve impedir a conquista de mercados no exterior. Segundo ele, as exportações do país representam algo como 1,1% das exportações globais, melhor que o 0,9% de 2002, mas ainda um número baixo. Por enquanto, o superávit comercial não está sob risco. Para este ano, Vale projeta um saldo de US$ 40 bilhões, abaixo dos US$ 44,7 bilhões de 2005, mas mesmo assim um valor robusto. Como Almeida, ele diz que a demanda externa deve continuar forte, o que estimula as vendas de produtos brasileiros, apesar do câmbio. De qualquer modo, a perda de dinamismo nas vendas de manufaturados mostra que o dólar barato já causou perda de dinamismo. Como conclui a LCA, "os efeitos deletérios da apreciação estão se manifestando um pouco mais lentamente do que avaliávamos. Mas estão se manifestando, como não poderia deixar de ser."