Título: Governo Bachelet deve ficar fora da 'onda esquerdista'
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2006, Internacional, p. A9

Chile Para analistas, presidente eleita está mais para Lula que para Chávez

A presidente eleita do Chile, Michelle Bachelet, faz parte de um setor tradicional do Partido Socialista, foi torturada pela ditadura de Augusto Pinochet, teve o pai morto durante a repressão e foi exilada, mas nem por isso se deve esperar que ela oriente o governo para uma postura mais esquerdista, na linha que vem sendo seguida por países como Venezuela e Bolívia. "Não acredito que o Chile tenha se movido mais à esquerda", avaliou o cientista político Cláudio Fuentes, diretor da Flacso (Faculdade Latino-americanana de Ciências Sociais). Ele disse acreditar que Bachelet manterá a mesma linha ideológica do governo de Ricardo Lagos, mais próxima do brasileiro Lula do que do venezuelano Chávez, com a "necessidade de pactar com as forças conservadoras para poder governar". Bachelet foi eleita anteontem no segundo turno das eleições presidenciais com 53,5% dos votos, contra 46,5% do empresário de direita Sebastián Piñera. O resultado eleitoral obtido pela Concertação nas eleições parlamentares do mês passado permitirá que pela primeira vez na história o bloco tenha maioria no Congresso. Apesar disso, iniciativas mais à esquerda terão de ser negociadas dentro da própria Concertação, cujos integrantes também incluem parte da elite empresarial. Fuentes prevê que haverá continuidade na política exterior do país, buscando aproximação comercial com os países mais desenvolvidos e adotando medidas para atrair investimentos estrangeiros. "O fato de ela vir de um setor mais tradicional do Partido Socialista não move a Concertação mais para a esquerda", considerou Fuentes, referindo-se à coalizão que governa o Chile desde o retorno da democracia, em 1990. Apesar de não propor mudanças radicais em relação ao modelo que vem sendo seguido pelo Chile nos últimos 15 anos, a gestão de Bachelet terá de reagir ao descontentamento da população com o aumento da desigualdade social, que vem se intensificando apesar das altas taxas de crescimento observadas na economia. Como afirmou no discurso que pronunciou logo depois de conhecer os resultados da apuração, em seus quatro anos de governo, a futura presidente, que assume o cargo em 11 de março, quer que o Chile "assombre" o resto do mundo ao demonstrar que "se pode estimular aos que empreendem e avançam, mas ao mesmo tempo auxiliar aos que ficam para trás". Entre os compromissos assumidos durante a campanha estão a reforma no sistema de aposentadorias e um papel mais ativo do Estado para estimular o desenvolvimento de pequenas e médias empresas. Ines Vittini, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade do Chile, prevê que a chegada ao poder de Bachelet pode significar uma melhora nas relações com os vizinhos sul-americanos. Uma das esperanças é que Chile e Bolívia possam retomar o diálogo a respeito da reivindicação boliviana por uma saída ao mar. Um sinal positivo neste sentido foi dado pelo presidente eleito da Bolívia, Evo Morales, que convidou Lagos e Bachelet para sua posse, no próximo domingo. Se o convite for aceito, será o maior gesto de aproximação entre os países desde 1978, desde que Chile e Bolívia romperam relações diplomáticas.