Título: Antes que os populistas tomem conta
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2006, Opinião, p. A11

A atual política de taxa de juros do Banco Central está deixando o público que acompanha a política monetária cada vez mais confuso e perplexo. Confuso porque ninguém, na atual conjuntura, consegue ver racionalidade e justificativa para manter a taxa de juros nesse patamar que, além de ser recorde mundial, é o dobro da segunda taxa mais alta. Perplexo porque, ao invés de reduzir a taxa de juros para evitar a excessiva sobrevalorização do real, está mantendo juros elevados e intervindo no mercado de câmbio com pouca eficácia e elevadíssimo custo fiscal. O que está ocorrendo neste momento é que o Banco Central está perdendo credibilidade até junto ao seu público fiel, o mercado financeiro, que vinha sempre aplaudindo a sua atuação. Com isso, o Banco Central tem a oposição de praticamente todos os segmentos da sociedade. O risco maior é que isto fortaleça o grupo populista do governo, que acredita que uma expansão dos gastos poderá promover crescimento. O que também confunde o público é que a inflação está sob controle, a taxa de desemprego é elevada - sem portanto nenhuma pressão salarial-, a produção industrial está em queda no último trimestre de 2005 (indicando desaceleração forte da demanda agregada, inclusive dos bens duráveis de consumo, que vinha expandindo em função do crédito) e do lado fiscal superávit primário é de quase 5% do PIB. Portanto, não há nenhuma indicação de pressão inflacionária, o que justificaria uma queda mais acelerada da taxa de juros. Do lado externo, a situação não poderia ser mais favorável: saldo em transações correntes de mais de US$ 13 bilhões, risco Brasil mais baixo da série histórica e economia mundial em grande expansão, com liquidez internacional abundante e baixa taxa de juros. A única justificativa que consigo imaginar é que o Banco Central adotou, de forma burocrática, a "regra de suavização" da taxa de juros e, copiando as decisões dos bancos centrais de países desenvolvidos, acredita que variar a taxa de juros mais do que 0,5% em cada reunião do Copom seria uma violência e poderia criar desequilíbrios no mercado financeiro. Mas isto não faz jus à inteligência dos diretores do Banco Central, ainda mais porque o patamar da taxa de juros no Brasil é muitas vezes maior do que nos países desenvolvidos e o minimamente razoável seria adotar uma proporcionalidade entre patamar e variação. Isto é, se com "regra de suavização" um país com taxa de 5% ao ano reduz 0,5 ponto percentual em cada decisão para uma taxa de 25% ao ano, a redução proporcional seria 2 pontos percentuais em cada reunião. Posso imaginar que o Banco Central esteja planejando reduzir em cada reunião 0,5 ponto percentual e aceite a "convenção" do mercado de que o patamar mínimo de juros no Brasil, que era de 15%, seja agora de 14%, e por isso tenha mudado a periodicidade da reuniões do Copom, adotando agora a mesma periodicidade do Federal Open Market Committee americano, de oito reuniões anuais. Em função do critério de cálculo e acompanhamento das reservas bancárias, se daqui para o final deste ano atingirmos 14%, ainda assim, dada a expectativa do mercado de inflação de 4,5%, a taxa real de juros esperada seria de cerca de 9,5%. Mas nada disso faz muito sentido na atual conjuntura. Mas, independente da nossa incapacidade de encontrar racionalidade na atual política monetária, a sua insistência tem duas consequências graves que cabe apontar. Primeiro, o esforço fiscal feito pelo Ministério da Fazenda, obtendo resultados primários acima da própria meta, torna-se vão: o secretário do Tesouro Nacional deve se sentir um "enxugador de gelo". De um lado, é responsabilizado pela altas taxas de juros, mas seu esforço adicional não se traduz numa queda, pois o Banco Central não permite. Assim, dada a conjuntura favorável, ao invés de criarmos um círculo virtuoso de elevação do superávit primário - melhoria na percepção de risco, redução na taxa de juros, crescimento, aumento de investimento produtivo, redução na relação dívida pública/PIB -, a atual política de juros trabalha na direção oposta a de um círculo vicioso, ao manter a taxa de juros real elevada com baixo crescimento. Daí a perplexidade de diversos setores da sociedade brasileira.

Insistência na atual política monetária torna vão o esforço fiscal da Fazenda e fortalece os desenvolvimentistas ingênuos dentro do governo

Na verdade, há um problema claro de coordenação. Até recentemente, quando havia discordância entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central, a única alternativa era a diretoria deste último pedir demissão. Agora, em nome da autonomia, o Banco Central não coordena suas ações com o Tesouro Nacional. O conceito de autonomia do Banco Central mais parece os três macacos da mitologia oriental: não escuto, não enxergo e não falo. Nem queda na inflação, nem os avanços na área fiscal, nem os ganhos com os resultados positivos na área externa, nem a queda do risco Brasil têm sido incorporados à política monetária. Com isto, o mercado fica confuso, ainda mais porque a sinalização do Banco Central é de que a taxa real de juros deverá se manter em dois dígitos até o final do ano. Resta ao mercado fazer conjecturas sobre a existência de alguma razão objetiva de risco que o Banco Central percebe ou tem informação privilegiada e ele não. A segunda consequência da atual política é o fortalecimento dos populistas ou desenvolvimentistas ingênuos dentro do governo. Em 2005, o Brasil cresceu um pouquinho mais do que 2%, que é um terço da taxa média de crescimento dos países emergentes, estimada em 6,1%. Este ano não deverá ser muito diferente. O baixo crescimento, que persistirá no primeiro trimestre deste ano, deverá dar argumentos fortes para esta ala se fortalecer e ter dominância sobre o Ministério da Fazenda no resto do ano eleitoral - e aí, a saída para os desenvolvimentistas ingênuos será pela expansão dos gastos públicos na crença de que isto promoverá crescimento econômico. Sem dúvida, poderá ser desastroso no médio prazo e os avanços alcançados pelo Brasil nos últimos dois anos poderão desaparecer rapidamente.