Título: O desafio do telefone social
Autor: Heloisa Magalhães (interina)
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2005, Brasil, p. A2

A aspiração do governo Lula de ampliar a oferta do telefone fixo para a população de baixa renda esbarra hoje não só em um entrave legal, mas a dificuldade de implementação também passa pelo jogo de poder. Uma limitação clara é a questão da isonomia. As regras pós-privatização tratam igualmente os diferentes. Estabeleceram que mais afortunados e menos favorecidos pagam o mesmo. Tarifas mais baixas só se forem para todos. É óbvio que qualquer cidadão de bom senso defende que a telefonia deve vir a ser fator de inclusão social e com tarifas menos limitantes. Mas além da necessidade de ajustar a legislação, há hoje desencontros entre esferas de poder que dificultam a busca de uma solução. Desde a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o órgão regulador jamais havia vivido período de desencontros internos como os que aconteceram em 2005. O conselho diretor está partido em dois. A disputa de nomes em torno da reestruturação de cargos na Anatel causou feridas que continuam sangrando, embora as mudanças sequer tenham sido implementadas. E as divergências ampliaram fronteiras. O Ministério das Comunicações, por sua vez, muitas vezes chega até a fazer discurso afinado com a Casa Civil em torno do telefone social, mas nos bastidores há desencontros. O crescimento da abrangência da telefonia fixa no país é inquestionável. O país partiu de 18 milhões de telefones instalados, em 1997, para mais de 42 milhões em novembro de 2005. Temos um universo de 52 milhões de domicílios, sendo que 68,71% deles têm acesso a telefonia fixa. Mas a penetração praticamente não cresce nos últimos três anos. E boa parte da inclusão se dá pelo celular pré-pago. Mais de 16,5% dos domícilios só têm celular. Novembro fechou com 82, 3 milhões de assinantes de telefonia celular. A explosão é inequívoca, mas cabe lembrar que, entre a população de renda mais alta, muitos têm mais de uma linha. Na comparação entre regiões, o país da diversidade mostra sua cara. No Rio Grande do Sul, 82,5% dos lares têm telefone fixo ou celular. No Distrito Federal, o percentual chega a 91%. Já no Piauí, cai para 32,2%. Em Alagoas, fica em 34,3%, sendo que 20,24% respondem por telefone fixo, e os restantes 14,6% só celular. Falta é dinheiro para pagar uma conta de telefone em milhões de famílias. O valor fixo todo mês é o grande inibidor. O celular cresce pela razão que se sabe. A barreira de entrada é subsidiada e o usuário de baixa renda adepto ao pré-pago usa o serviço apenas para receber ligações. Faz ligação pelo orelhão mais próximo. Não tem custo fixo. E o Brasil oferece a facilidade de contar com mais de 1,3 milhão de telefones públicos. As regras pós-privatização fixaram que nos centros urbanos há um instalado cada cem metros. Os dados da última Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) dão conta de que apenas 1,9 milhão de domicílios têm renda superior a 20 salários mínimos, e 70% dos lares respondem por apenas 31% da renda nacional, onde a renda média fica em torno de R$ 600.

A questão da isonomia é uma clara limitação

Nesse cenário de dificuldade para pagar um serviço público, a expectativa da Anatel é que, com o chamado Acesso Individual de Classe Especial (Aice), a telefonia fixa para o brasileiro de baixa renda consiga agregar, em dois anos, 4,5 milhões de domicílios ao serviço, o que significa a penetração da telefonia fixa em 79,26% dos lares com renda de dois a cinco salários mínimos. A proposta é atingir mais 13 milhões de pessoas, estima a Anatel. Mas a questão é como equilibrar perdas e ganhos. Com relação à isonomia, a primeira indicação era de que um decreto presidencial estaria sendo preparado para adequar a regra, mas a questão evoluiu para um projeto de lei que será encaminhado ao Congresso Nacional. Do lado das concessionárias, mais de 10% das linhas hoje estão instaladas e ociosas, mas o modelo de telefone popular apresentado pela Anatel não foi recebido com festa. Na cerimônia de assinatura dos novos contratos de concessão, em Brasília, a Telemar informou que, a partir do princípio da isonomia, 2 milhões de assinantes podem vir a migrar para o novo serviço, com perdas estimadas em R$ 3 bilhões para as operadoras. O chamado Aice será oferecido na forma de pagamento pré-pago e a assinatura ficará 40% mais barata, embora o minuto de conversa se torne mais caro. A perda maior para as operadoras se dá na assinatura. Há quem defenda que, para que a telefonia fixa realmente chegue à população de baixa renda, deveria ser adotado modelo semelhante ao da energia elétrica. A legislação estabeleceu o encargo de capacidade emergencial. Em toda conta mensal, 1,96% é destinado a um fundo que beneficia o cliente com consumo até 180 kilowatts/ hora. Há países que criaram uma espécie de IPTU do telefone. A tarifa varia de acordo com a área do domicílio do cliente. Solução complexa em cidades brasileiras, em especial no Rio e Janeiro, onde favelas se misturam com o metro quadrado mais caro do Brasil. A questão a mais é que hoje o setor de telecomunicações enfrenta momento conturbado. A economia do país não cresceu, e existe uma disputa política entre o Ministério das Comunicações e a Anatel, com partidos políticos disputando o poder dentro do órgão regulador. Entre as prestadores de serviço, há brigas internas, pois a concorrência é cada vez mais acirrada. Isso sem contar com as novas tecnologias, como o telefone VoIP, pela internet, que ainda é incipiente, mas vai roubar mercado de forma avassaladora. É apenas uma questão de tempo.