Título: A oportunidade perdida da UE
Autor: Matthew Lynn
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2005, Opinião, p. A11

Mais recente acordo orçamentário enraíza os subsídios agrícolas como maior função da União Européia

Ao longo dos anos, ninguém mais esperava muito das reuniões de cúpula do orçamento da União Européia. Vinte e cinco líderes políticos reúnem-se para regatear em torno de um pote de dinheiro, cuja maior parte foi arrecadada por apenas alguns deles. Um jogo de pôquer a altas horas da noite, num quarto dos fundos, pareceria digno de comparação. Ainda assim, mesmo por esses baixos padrões, o premiê do Reino Unido, Tony Blair, deve estar decepcionado com o acordo obtido no fim de semana passado. No seu próprio país, boa parte da atenção concentrou-se na sua disposição de restituir uma parcela do reembolso do Reino Unido, conquistada por Margareth Thatcher quando estava no poder. No longo prazo, o fato pode não importar muito. No contexto das economias britânica e européia, um bilhão aqui ou lá é desprezível. O que importa, contudo, é que uma oportunidade de verdadeiramente melhorar a maneira como a UE funciona foi perdida agora. "Do ponto de vista da UE, o significado é que não haverá nenhuma reforma do orçamento", disse Neil O'Brien, diretor do instituto de pesquisa Open Europe, sediado em Londres, em entrevista por telefone. "Ele continuará sendo dominado pela Política Agrícola Comum (PAC). Se retrocedermos até o verão, perceberemos que tivemos a oportunidade de realizar uma mudança real". A triste realidade é que a UE deveria estar gastando o seu dinheiro e sua energia na criação de uma economia do século XXI. Em vez disso, seus esforços estão sendo investidos na preservação de uma economia do século XIX. A Europa transformar-se-á em uma peça de museu se persistir nesse caminho. Na semana passada, após meses de brigas, os líderes da UE chegaram a um acordo sobre um novo orçamento de ? 862,4 bilhões (US$ 1,03 trilhão), cobrindo o período de 2007 a 2013. De muitas formas, foi um acordo crucial. Ele ocorreu após a rejeição, pelos franceses e holandeses, da constituição da UE proposta neste ano. Veio também depois da chegada dos dez novos países membros ter alterado fundamentalmente o equilíbrio de poder dentro da UE. Houve uma oportunidade de reavaliar os gastos da UE. A UE pode ter pretensões de tornar-se um super-Estado global. Com base na forma como ela gasta o seu dinheiro, mais se assemelha a uma sociedade de proteção agrícola.

UE deveria gastar seu dinheiro na criação de uma economia do século XXI, mas está investindo na preservação de uma economia do século XIX

Quarenta por cento da verba da UE vai para apoio aos preços da carne, laticínios e açúcar ou para "desenvolvimento rural", conforme políticas elaboradas à época da criação da UE. No total, a França reivindica um quarto do orçamento agrícola de ? 44 bilhões da UE, muito acima do que sua fatia da população do bloco poderia justificar. A França pode ser um país grande com uma grande quantidade de estabelecimentos agrícolas, mas a Polônia também o é. O elevado nível de despesa em agricultura, e na agricultura francesa em particular, é difícil de justificar. Na verdade, esses subsídios são um remanescente da década de 1950, quando a Europa do pós-guerra carecia de alimentos. Era compreensível que os políticos quisessem assegurar que sempre haveria o suficiente para se alimentar. Aquele mundo mergulhou profundamente no passado. Agora vivemos num mundo dominado pelo livre comércio, integração econômica e uma abundância de recursos agrícolas. Se podemos comprar nossas roupas e computadores da China, e tratar com centrais de atendimento na Índia, por que estão todos preocupados sobre comprar alimentos da Austrália, Canadá ou Argentina? Podemos conseguir qualquer outra coisa do fornecedor global mais barato. Por que não fazer o mesmo com alimentos? "A PAC tem vários efeitos negativos", declarou o Centro para Desempenho Econômico da London School of Economics, em uma análise. "Eles incluem inflar artificialmente os preços dos alimentos na UE, o que é ruim para os consumidores, especialmente para os mais pobres; deprimir o preço dos alimentos no mundo, o que é ruim para países que produzem alimentos, muitos dos quais são países de baixa e média renda; e estimular o excesso de produção e de especialização dos agricultores, o que pode vir a ser ruim para o meio ambiente". Pior ainda, a política comum tem representado um grande obstáculo para o estímulo ao comércio mundial - como pôde ser visto nas conversações da Organização Mundial do Comércio em Hong Kong na semana passada. O mais recente acordo orçamentário simplesmente enraíza ainda mais os subsídios agrícolas como principal função da UE. Além disso, traz os novos países membros para dentro de um sistema quebrado, em vez de usá-los como uma alavanca para mudanças. Em 2013, será ainda mais difícil ajustar o sistema em relação ao momento atual - pois os agricultores poloneses e tchecos terão ficado viciados nos subsídios, como estão hoje os franceses, espanhóis e gregos. Isso não precisa ser assim. Eliminando a política comum, os líderes políticos da UE poderiam ter reduzido os preços dos alimentos e impulsionado a demanda dos consumidores. Eles poderiam ter liberado terras e recursos para desenvolvimento e redirecionado os seus subsídios para as indústrias do futuro, em contraponto às do passado. Mais importante, eles poderiam ter emitido um sinal poderoso de que estão determinados a modernizar a região. Seja qual for o papel da Europa na economia global do novo século, podemos apostar o nosso último euro em que ela não envolverá plantio de açúcar ou ordenha de vacas. Por um breve período, existiu uma oportunidade única para mudar a forma como a UE funciona. Agora ela foi desperdiçada - e poderão decorrer muitos anos até ela reaparecer.