Título: Fraudes em fundos são multadas em R$ 75 milhões
Autor: Josette Goulart e Daniele Camba
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2005, Especial, p. A12

Fundações Processos administrativos somam prejuízos superiores a R$ 1 bi

Operações fraudulentas que desviam milhões dos cofres dos fundos de pensão para bolsos alheios compõem um capítulo da história de fiscalizações falhas das bolsas brasileiras. Somente na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), nos últimos cinco anos cerca de 20 processos administrativos foram julgados, multas milionárias aplicadas e diversos operadores inabilitados em operações datadas de meados da década de 1990, segundo um levantamento feito pelo Valor no site da CVM. No Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (o Conselhinho), as penas têm sido mantidas e muitas vezes novas multas são aplicadas. Os inquéritos apuraram irregularidades em mais de 20 fundos de pensão e os prejuízos detalhados nos autos superam os R$ 100 milhões, mas podem ser até três vezes maiores. O valor total das multas aplicadas, quase todas passíveis de um recurso à Justiça, é de pelo menos R$ 75 milhões. Os números extra-oficiais da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) são ainda mais assustadores e os prejuízos estimados dos últimos 15 anos ultrapassam R$ 1 bilhão. Apesar das mudanças nas leis de fiscalização e de uma certa "moralização" da administração dos fundos de pensão, as fraudes continuam. Somente entre 2004 e 2005, o Nucleos, fundo de pensão dos empregados das indústrias nucleares, registrou perdas de R$ 22 milhões em operações com títulos públicos comprados a cotações acima do valor de mercado, segundo o presidente da fundação, Marcos Elias. Ele conta que o levantamento foi feito pela KPMG a pedido do Nucleos e que a fundação pretende entrar com uma ação judicial contra os ex-administradores. O presidente da CVM, Marcelo Trindade, já defendeu publicamente que uma boa forma de coibir operações fraudulentas é por meio de multas punitivas. Ele disse em evento recente que a aplicação de multas pela CVM era de no máximo R$ 3 mil até 1997, mas o que se vê agora são multas milionárias. Neste ano, em um processo administrativo julgado pela CVM, foi aplicada uma multa de R$ 2,37 milhões à Telles Corretora e imposta uma pena de inabilitação por dez anos para seu dono, Nelson Telles. Até mesmo o então superintendente da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), Antonio Carlos Mendes Barbosa, conhecido no mercado por Tatá, foi condenado com uma multa de R$ 500 mil por participação na suposta fraude. Seus amigos não dizem onde encontrá-lo e o telefone registrado em seu nome na lista telefônica não atende. Em sua defesa, no processo, Barbosa diz que a comissão de inquérito não considerou documentos que comprovariam sua inocência. As operações envolviam contratos de Índice Bovespa futuro na BM&F e eram sempre três os ganhadores contra o Postalis, fundo de pensão dos Correios. As irregularidades ocorreram em 1998, mas o caso só foi julgado na CVM agora e ainda tem um longo caminho a percorrer. Os envolvidos vão recorrer ao Conselhinho e depois, se não obtiverem sucesso, ainda podem ir à Justiça, segundo o próprio Nelson Telles, que fechou sua corretora e hoje atua por conta própria, mas como membro da Intra Corretora. Ele acusa a CVM de não ter lhe dado chance de se defender durante o julgamento, apesar de sua defesa constar do processo. Em todos os processos administrativos já julgados pela CVM, os administradores dos fundos de pensão foram absolvidos. Mas pode se ler em muitos processos que não havia como comprovar boa parte das irregularidades, e em alguns casos os administradores foram absolvidos pelo benefício da dúvida. No Conselhinho, entretanto, administradores de nove fundações foram condenados, no ano passado, a pagar uma multa de 10% do valor das operações irregulares. O processo envolvia algumas corretoras que não existem mais, como a Probank e a Atlantis, e a fraude detectada foi em operações de day-trade com única ponta ganhadora, em detrimento dos fundos de pensão. Este foi o processo envolvendo fundos de pensão com as maiores multas aplicadas: cerca de R$ 40 milhões no total. A dificuldade para apurar a responsabilidade dos administradores das fundações poderia ser transposta com a quebra de sigilo bancário. O ex-presidente da CVM, Luiz Leonardo Cantidiano, diz que é muito difícil apurar as irregularidades sem conseguir quebrar o sigilo dos envolvidos. Para isso, a CVM precisa recorrer à Justiça e, neste caso, a atitude pode ser inócua pela lentidão das decisões. Esse foi o caso de um inquérito administrativo que envolvia a Prece (fundo de pensão dos funcionários da companhia de águas e esgotos do Estado do Rio de Janeiro), Previrb (do IRB), Braslight (da Light) e Nucleos, julgado no ano passado, que acabou por absolver os administradores dos fundos. Durante o processo foi pedida a quebra de sigilo dos administradores, mas a demora da Justiça levou os dirigentes da CVM a proferir uma decisão mesmo sem os dados, diante do risco de prescrição do processo, já que as fraudes ocorreram em 1991 e 1992. No mercado, profissionais experientes das corretoras dão conta de que, embora as práticas irregulares tenham migrado para outros mercados e talvez não sejam tão volumosas quanto antes, ainda podem ocorrer. Segundo um importante diretor de corretora, que preferiu não se identificar, as operações em que os fundos de pensão sempre perdem são bastante antigas e eram muito mais freqüentes na época em que a BM&F era regulamentada e fiscalizada pelo Banco Central (BC) e não pela CVM, como ocorre hoje. "O BC tem muitas outras atribuições, como cuidar do sistema financeiro. Além disso, nunca teve conhecimento suficiente sobre o mercado futuro para fiscalizar a BM&F", diz. Os dirigentes da CVM não quiseram se pronunciar sobre o assunto, mas o diretor Sérgio Weguelin diz, em seu voto no processo de apreciação da proposta de termo de compromisso com a BM&F, que a partir de 2003, com a entrada em vigor da Instrução CVM nº 382/03 e em função dos processos instaurados na própria CVM, a BM&F alterou sua forma de fiscalização. O termo de compromisso é feito para que o processo termine sem julgamento. No caso da BM&F, acusada de omissão na fiscalização, o problema foi resolvido com um acordo em que a bolsa se comprometeu a desenvolver o site de relação com investidores para a CVM. O advogado da bolsa, Otávio Yazbek, diz que optou pelo termo de compromisso para não ficar com nenhuma pendência em aberto. Apesar da intensificação da fiscalização, as operações com fundos de pensão continuam gerando prejuízos, disse o diretor de corretora ao Valor. Ele afirma que enquanto a fundação tem prejuízo o ganho sempre é combinado e dividido entre a corretora e o próprio funcionário, geralmente conivente com a fraude. "Com exceção dos participantes dos fundos de pensão, não há mais nenhum desavisado nessa história", diz o diretor. Para tentar esconder as fraudes, as operações percorrem longos caminhos. Ele lembra que a operação é feita e refeita por várias outras corretoras, que recebem pequenas comissões pelo serviço, antes de chegar na corretora que gerou o negócio. "Quanto maior o número de participantes, mais difícil identificar a fraude e chegar na ponta final da história."