Título: Pela primeira vez, Linux incomoda a Microsoft no varejo
Autor: Ricardo Cesar
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2005, Empresas &, p. B3

Software Incentivos do governo federal ampliam vendas de PCs com o sistema que não cobra licença

Na loja do Carrefour em frente ao parque Villa-Lobos, em São Paulo, quem procura um computador pessoal será rapidamente conduzido pelo vendedor até uma máquina com o preço promocional R$ 1 mil, fabricada pela desconhecida FBL. O valor inclui um monitor de 15 polegadas e um pacote de softwares. "Mas não vem com Windows", alerta o vendedor. "Este tem o Linux", diz, apontando um adesivo com o pingüim-símbolo do sistema operacional no equipamento. "Tem gente que não gosta, mas funciona do mesmo jeito. É o que mais estamos vendendo." Longe de ser um caso isolado, o que acontece no Carrefour está se repetindo em diversos varejistas. Com isso, a onipresença nos PCs do sistema operacional Windows, da Microsoft, sofre um arranhão pela primeira vez. A comercialização de computadores com Linux, um sistema rival de código aberto, que pode ser instalado e modificado sem pagamento de licença, cresceu fortemente na segunda metade do ano em lojas de todo o país. No Wal-Mart, as vendas de máquinas com Linux superaram as de equipamentos com o Windows em 20% neste semestre, afirma Eduardo Nogueira de Godoy, diretor comercial de informática da rede varejista. "O principal motivo é o custo", diz. A Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), que detém as bandeiras Pão de Açúcar, Extra e Compre Bem, informou que a venda de máquinas com Linux dobrou na rede, em quantidade, na segunda metade do ano. Em valor, o incremento foi de 30%. O Ponto Frio também experimentou um salto nas vendas de PCs com Linux. No começo do ano, a rede varejista trabalhava apenas com equipamentos munidos com Windows. Hoje, 20% das unidades vendidas possuem software livre. Luiz Fernando Rego, diretor comercial do Ponto Frio, explica que isso ajudou a puxar as vendas de computadores no Natal, que triplicaram em relação a 2004. O principal responsável por essa arrancada do Linux no varejo é o programa Computador para Todos - o antigo PC Conectado - do governo federal. Dentre os benefícios previstos está o financiamento pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, em condições especiais, para máquinas com preço de até R$ 1,4 mil que atendam a determinadas especificações - incluindo o software livre. Também há uma linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para que os varejistas financiem equipamentos em 24 vezes com juros de no máximo 3%. O Magazine Luiza foi a primeira rede a conseguir essa facilidade, no início de dezembro. Resultado: encomendou de uma tacada só 4 mil PCs com Linux para a fabricante Positivo. Além disso, o Computador para Todos prevê isenção de PIS e Cofins para equipamentos de até R$ 2,5 mil. Nesse caso não é obrigatório a presença de software livre, mas é mais fácil baixar o preço do PC para os patamares exigidos sem pagar o custo do Windows. Embora surpreendente, o avanço do Linux no varejo precisa ser visto em termos relativos. O Windows, da Microsoft, ainda domina em quase todas as redes, com exceção do Wal-Mart. Até agora, o sucesso do software livre nesse mercado deve-se exclusivamente ao custo inferior. Em porcentagem o crescimento é grande, mas a base de comparação é fraca, pois no ano passado as máquinas com Linux eram raridade nas lojas. Por fim, o varejo representa apenas 16% das vendas de computadores no Brasil - embora essa participação esteja crescendo; há um ano, era de 12%. Até novembro, só 5% dos PCs fornecidos ao varejo pela fabricante Positivo tinham Linux, diz Helio Rotenberg, diretor-geral da empresa. "Em dezembro, tivemos crescimento devido ao Computador para Todos. Acredito que as vendas podem triplicar em 2006." As distribuições de Linux - empresas que desenvolvem suas versões do sistema operacional e depois cobram pelos serviços, como treinamento e suporte técnico - dizem que o programa do governo despertou a atenção para o software livre. Isso teria sido mais importante do que os negócios que surgiram pela disponibilidade de financiamento. "O grande feito do governo foi ter alertado a população que existe uma solução viável concorrente do Windows", diz Paulo Maciel, presidente da International Syst, empresa que fornece uma versão de Linux batizada de Metasys. Jaques Rosenzvaig, presidente da subsidiária nacional da Mandriva Conectiva, a maior distribuição do sistema operacional de código aberto no país, afirma que as vendas para o varejo aumentaram cinco vezes no segundo semestre. Um contrato que a Mandriva mantém com a HP - tradicional parceira da Microsoft - na Europa foi estendido, em novembro, para o Brasil e toda a América Latina. Com isso, algumas máquinas da HP fabricadas no país já chegam às lojas com o Linux embutido. De setembro a novembro, a Insigne, outra distribuidora de software livre para computadores de mesa, participou de uma turnê da Intel por todas as capitais do Brasil. O objetivo da fornecedora de processadores: mostrar para pequenos integradores - os estabelecimentos que montam e vendem PCs - que seus chips são compatíveis com máquinas que rodam Linux. Em dezembro, a Insigne atingiu a marca de 300 mil unidades de computadores vendidos com os seus sistemas. Mais de 60% do total foi negociado nos últimos seis meses de 2005. "Algumas lojas que não queriam trabalhar com Linux agora mudaram de idéia", diz João Pereira da Silva Jr., diretor de negócios estratégicos da empresa.