Título: As agências nas eleições de 2006
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2006, Política, p. A6

A falta de clareza do atual governo sobre o papel das agências reguladoras tornou-se perceptível logo no início do mandato, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou de ter sido informado pelos jornais do aumento do preço da gasolina e fez cobranças explícitas à Agência Nacional do Petróleo (ANP). Quase três anos depois, a incompreensão com as agências foi paulatinamente se reduzindo, mas o tema ainda permanece nebuloso para o Executivo. A lei que definiria exatamente o que esse governo entende por regulação e que daria uma solução definitiva para a ausência de autonomia financeira das agências flutua há dois anos no limbo do Congresso, um espaço reservado a todos os projetos com os quais nem o governo, nem os partidos, nem boa parte dos parlamentares têm qualquer comprometimento. A questão das agências volta à pauta do Congresso agora, com agravantes. E, desta vez, os parlamentares terão que se envolver. Fragilizado pela crise política, o governo é pressionado pelo PMDB a oficializar a indicação do cearense Paulo Lustosa, atual presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), para a presidência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). É uma indicação claramente política, como outras já realizadas. A despeito de conhecimentos técnicos que Lustosa possa ter do setor de telecomunicações - já foi secretário-executivo do Ministério das Comunicações e até cotado para ministro -, a nomeação repete uma prática perigosa: a politização de um universo essencialmente técnico, que prima pelo alto nível de especialização de seus profissionais. Não por acaso, o Banco Mundial (Bird), em estudo sobre o assunto, enfatiza que as agências reguladoras "devem funcionar com independência e não podem estar submetidas a pressões políticas, uma vez que defendem o interesse público". Seguindo esta linha de raciocínio, é óbvio que o processo de indicação e nomeação de dirigentes deve ser incontroverso, livre de qualquer aspiração político-partidária. Não será. Lula quer o PMDB a seu lado em 2006, ainda que por enquanto seja um desejo difícil de ser concretizado. Não terá força, a essa altura, para barrar um pleito da cúpula do PMDB. O presidente do Senado, Renan Calheiros, que se credenciou como um dos principais interlocutores de Lula no Congresso, apadrinhou Lustosa, apesar de enfatizar que a indicação para a Anatel é um pleito da bancada. O obstáculo para Lustosa ser aprovado, por enquanto, está no PSDB. E não necessariamente por questões técnicas. É, mais uma vez, a política que se impõe. O presidente do partido, senador Tasso Jereissati, acumula rivalidades locais com Lustosa no Ceará.

A lei repousa há dois anos no limbo do Congresso

O tucano já avisou, na despedida de 2005, que o PSDB não permitirá a politização das agências a este nível. Foi endossado pelo líder do partido, Arthur Virgílio. Ninguém mencionou, explicitamente, o nome de Lustosa. Desenha-se um escambo político no Parlamento: Renan tentará a ponte com Tasso, porque precisa do PSDB para a aprovação de Paulo Lustosa. Os tucanos, do outro lado, não querem criar rusgas com Renan. No ano passado, PSDB e PFL consolidaram a maioria no Senado, muitas vezes num jogo combinado com o presidente da Casa. O funcionamento do Congresso em janeiro e fevereiro, a propósito, foi bancado por Renan, a pedido da oposição. Tucanos e pefelistas ajudaram a elegê-lo, e cobram, de vez em quando, a fatura. Conhecedor do mundo da política - é ex-deputado, ex-ministro do governo Sarney e pemedebista bem relacionado com a cúpula partidária -, Paulo Lustosa já tratou de antecipar-se à sabatina no Senado. Senadores receberam dele uma espécie de currículo, algo parecido com "essa é minha vida, não fiz nada de errado, podem confiar em mim". Claro que não é suficiente. Os próprios parlamentares que apóiam Lustosa consideram preocupante o presidente Lula não ter ainda oficializado a escolha e, segundo foram informados, uma das razões seria a investigação que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) conduz sobre sua atuação em cargos públicos. O governo não teria gostado do que viu. Uma justificativa no mínimo despropositada, já que Lustosa ocupou e ocupa cargo no governo. Portanto, se não foi investigado até agora, é sinal de que o governo não zela tanto assim pela imagem dos dirigentes que tem. Ainda assim, o mais provável é que a Anatel terá em sua presidência alguém da confiança do PMDB. Os riscos da politização são acompanhados por especialistas e investidores. "Apesar de o risco existir, ele ainda não se materializou, pelo menos na Aneel", analisa o atual presidente da agência, Jerson Kelman. Indicado por Fernando Henrique Cardoso para presidir a Agência Nacional de Águas (ANA), Kelman considera-se um exemplo da não politização, já que foi indicado por Lula para presidir a Aneel. Nem tudo são rosas no mundo da regulação no Brasil, acrescenta ele, mas o atual governo finalmente entendeu que "as agências não são uma obra do demônio que precisam ser esterilizadas". Se o governo entendeu essa parte, não entendeu o todo. Não tratou da autonomia financeira das agências. Resolveu o problema do quadro de pessoal por medida provisória, após meses de incerteza no setor. Deixou a Aneel sem dois diretores por seis meses. Ainda há duas vagas desocupadas. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) permaneceu dois meses sem presidente. Contingenciou um orçamento das agências proveniente de taxas cobradas dos consumidores. E oscila entre as tentações de um modelo mais cartorial e menos competitivo e o que reconhece a evolução dos agentes econômicos e das novas tecnologias no mundo contemporâneo. Se esses gargalos já eram suficientes para criar tensões nas relações do governo com os investidores, a politização das agências é um mal que pode inviabilizar definitivamente o modelo.