Título: O câmbio flutua, os empregos afundam
Autor: Arnim Lore
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2006, Opinião, p. A10

A política cambial em vigor está na contramão dos interesses do trabalhador brasileiro

No último dia do ano passado, o Banco Central anunciou uma decisão que afeta o atual monopólio do câmbio no país. A suspensão do limite de US$ 6 milhões para as posições compradas dos bancos brasileiros em moedas estrangeiras é uma boa medida, embora sem efeitos imediatos. A realidade é que não há motivação para os bancos manterem posições em moedas estrangeiras diante das diversas oportunidades oferecidas pelo mercado. É uma pena, pois a política cambial em vigor está na contramão do interesse dos trabalhadores brasileiros. Explico, começando por lembrar aspectos sobre o monopólio do câmbio administrado pelo Banco Central que parecem esquecidos nos últimos tempos:

1) As divisas geradas pela exportação do todos os produtos brasileiros são as únicas que realmente nos pertencem. Outros ingressos de divisas da movimentação de conta corrente, embora muito bem-vindos, adotam prazo e direito de retorno, acompanhadas de suas devidas remunerações. As divisas da exportação são as criadas pelo trabalho dos brasileiros, que vai das atividades extrativistas até os produtos industriais de grande sofisticação, e que estamos produzindo em volumes crescentes.

2) As divisas utilizadas na importação de produtos são também geradoras de empregos, quando se referem a matérias-primas ou bens intermediários, ou equipamentos utilizados na produção de bens, para consumo local ou exportação. Nesta condição, a importação também gera empregos na economia, mesmo levando em conta o chamado custo Brasil.

3) As importações de bens de consumo são saudáveis para incentivar o aumento da produtividade da indústria nacional. Mas para isto é preciso que o controle de fronteiras seja eficaz para evitar competição predatória decorrente da informalidade.

4) Finalmente, precisamos nos conscientizar que o CPMF é um acelerador das distorções do valor da moeda estrangeira, uma vez que sua taxação incide em cada passo de uma transação de câmbio.

Controle do comércio exterior é igual a quando exportávamos apenas US$ 3 bilhões anuais, 40 vezes menos que hoje

Nos últimos 70 anos, desde o Decreto 23258, de 22/10/1932, o governo, em diversas fases, montou um sistema jurídico, contábil e financeiro que estabeleceu o direito de comandar a movimentação das divisas, como uma propriedade do Estado. Os bancos são assim mandatários do governo na administração deste monopólio, participantes compulsórios no transporte internacional das divisas e, no caso das exportações, são coobrigados em relação aos exportadores na internação das divisas obtidas nas vendas externas. Esta tarefa, que inclusive obriga os executivos dos bancos criminalmente, é a única transação bancária com esta característica. Mas a situação não pára por aí. Há outros detalhes importantes de nosso monopólio de câmbio que nos torna únicos no mercado internacional. Há diversos incentivos para antecipar o ingresso de divisas, como a isenção do imposto de renda na fonte sobre os juros dos pré-financiamentos de exportação. Numa relação inversa, quando se trata de importações e outros gastos de divisas, existem mecanismos que incentivam o retardamento de todos os pagamentos devidos ao exterior. Historicamente, o monopólio do câmbio foi montado para antecipar ingresso das divisas da exportação e atrasar os pagamentos das importações. Isto explica porque assistimos pela segunda vez, desde a implantação do Plano Real, um período de valorização artificial de nossa moeda. As regras atuais estabelecem que qualquer moeda estrangeira referente a movimento de bens, exportação e importação, só pode ser transacionada depois que uma agência do governo for consultada e autorizar a transação. Infelizmente, neste momento de saldos comerciais de grande monta, o governo não se vale do direito que organizou ao longo de décadas para adquirir as moedas disponíveis, nem transfere esta possibilidade a interessados. Como não foram feitas quaisquer alterações nos itens que compõem o custo Brasil, de um lado, e há a redução do valor da moeda estrangeira que incentiva as importações e diminui a competitividade de nossos produtos e os empregos vinculados, de outro, concluímos que a flutuação do câmbio contraria os interesses dos trabalhadores brasileiros. A implementação do Plano Real em junho de 1994 e a progressiva eliminação da inflação em nosso país aumentou a qualidade de nosso crédito no exterior . Medidas acertadas dos governos mudaram em muito nossa condição financeira no mercado internacional. Uma demonstração desta atitude foi o recente pagamento integral e antecipado da nossa dívida junto ao Fundo Monetário Internacional, que nos fez subir muitos degraus no patamar da confiança mundial. Várias empresas nacionais passaram ao nível grau de investimento junto aos investidores internacionais. Atingimos níveis de exportação que vínhamos almejando há muito tempo, com os saldos comerciais dignos de orgulho. Ao longo da última década, o sistema financeiro foi aperfeiçoado com a criação do câmbio flutuante e a progressiva liberação de remessas internacionais de moeda. Isto permitiu a quase conversibilidade do real para operações financeiras, e a maior prova da liquidez de nossa moeda é a colocação no exterior de títulos em reais. Curiosamente, os mecanismos que controlam as transações internacionais de produtos, isto é, aquelas que implicam em empregos, não evoluíram. Estão sujeitos às velhas regras da década de 70. Mesmo nestas adversas condições, o Brasil conseguiu exportar o extraordinário valor de US$ 117 bilhões e obter um saldo comercial de US$ 44 bilhões. Chegou a hora de rever o processo que causa o leilão negativo das divisas. Se os seus geradores de divisas são obrigados a vendê-las, e os compradores são impedidos de comprá-las, sem interesse do governo na aquisição, o valor da moeda estrangeira se reduz, sem benefício para o país. É hora de mudar regras desatualizadas e oferecer aos responsáveis pela produção e pelos empregos formais a mesma liberdade que seus concorrentes estrangeiros já dispõem. Por onde começar? Precisamos desburocratizar as pequenas transações e e dar liberdade aos comerciantes. Uma reengenharia do controle de fronteiras pode demonstrar que o custo da burocracia é maior que os benefícios das taxas cobradas. A verdade é que o controle do comércio exterior é idêntico ao período em que exportávamos apenas US$ 3 bilhões anuais, e os valores atuais, quase 40 vezes maior, exigem mudanças. Devemos aprender com os sistemas dos países que hoje comandam o comércio internacional. Imagine a economia com a pujança e competência de seus operadores, aprisionada por uma burocracia desatualizada, sendo liberada como são os nossos grandes concorrentes, com apoio do governo. Com estas condições, atingir metas como US$ 200 bilhões em exportações em curto prazo é um objetivo realista e traz conseqüências positivas à economia. E como grandes beneficiários, os nossos trabalhadores.