Título: Zonas de exportação não saem do papel
Autor: Ivana Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2006, Especial, p. A12

Desenvolvimento Governo Lula resiste em retomar o programa, criado em 1988 e paralisado na gestão FHC

As Zonas de processamento de exportação, as ZPEs, proliferaram pelo globo nos últimos 20 anos. Foram mecanismos de desenvolvimento e geração de emprego em economias tão diferentes quanto Estados Unidos, China, Índia e Alemanha. No mundo inteiro, segundo dados do International Labour Office (ILO), já são mais de 3 mil zonas do gênero. O Brasil, no entanto, resiste a aderir ao modelo utilizado por pelo menos 116 países. Quase duas décadas depois da criação do programa de ZPEs, nenhuma das zonas autorizadas em 17 Estados entrou em funcionamento. Nesse tipo de distrito industrial, empresas focadas no mercado externo operam num ambiente livre de impostos para importação de insumos e exportação da produção. A maior parte das ZPEs criadas por decreto-lei entre o fim da década de 80 e meados da década de 90 - 13 delas - sequer saiu do papel. Em quatro, nos Estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Tocantins, toda a infra-estrutura para a instalação de indústrias exportadoras foi construída. Somados gastos com desapropriação de terrenos, execução de projetos e obras civis, os investimentos nessas quatro ZPEs ultrapassaram R$ 50 milhões. Mas o processo de regulamentação das zonas foi paralisado no governo Fernando Henrique Cardoso. Em Imbituba, em Santa Catarina, três indústrias, dispostas a investir US$ 6,6 milhões e criar pelo menos 750 empregos diretos, não puderam começar a operar porque a União não fez o alfandegamento, designando funcionários da Receita Federal para o distrito. A espera pelo alfandegamento está completando dez anos. Em pelo menos um caso, o da ZPE de Teófilo Otoni, em Minas Gerais, a inércia do governo federal já foi parar na Justiça. A companhia administradora da ZPE entrou na Justiça contra a União e ganhou a causa, em setembro do ano passado. O juiz federal Leão Aparecido Alves deu um prazo de até 60 dias para o governo federal se pronunciar sobre a instalação, na ZPE, de duas indústrias de processamento de pedras preciosas. A União impetrou recurso contra a decisão do Tribunal Regional Federal. A resistência contra as ZPEs mora no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), dizem defensores do programa ouvidos pelo Valor. Técnicos do MDIC argumentam que as ZPES não condizem com a nova realidade de comércio exterior brasileiro. E que são dispensáveis face aos resultados expressivos da política externa. "Se o saldo da balança é realmente espetacular na comparação com os resultados pífios do passado, está muito aquém dos resultados de países emergentes como China, Rússia e Índia", diz o PhD em economia, Helson Braga. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Braga é também presidente da Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe). A associação, a despeito de o programa ter sido abandonado pelo governo, persiste na luta pela regularização das ZPEs já construídas. Braga cita exemplos. Na China, as ZPEs foram criadas em 1978. Dezenove anos depois, em 1997, já eram 124. Nesse período, as exportações chinesas cresceram 25 vezes, passando de US$ 10 bilhões para US$ 250 bilhões. No mesmo período, entre 1978 e 1997, as exportações brasileiras aumentaram de US$ 12,7 bilhões para US$ 53 bilhões, de acordo com os dados do MDIC. Um crescimento de menos de cinco vezes. Na interpretação do professor Helson Braga, embora reconheça a importância das exportações para o país, o governo brasileiro comete um equívoco conceitual. Em vez de estimular a atração de investimentos estrangeiros voltados para exportação, concentra os esforços em induzir, com benefícios fiscais, as empresas aqui instaladas a aumentar suas vendas no exterior. Apesar de o governo federal nunca ter colocado em prática o programa, a associação brasileira das ZPEs vem conquistando apoios, especialmente no Congresso, onde tramita um projeto de modernização da lei de 1988, aprovada no governo José Sarney. "O Brasil continua sem entender corretamente o jogo internacional dos grandes investimentos para o beneficiamento de nossas matérias-primas, que nos permita aumentar o valor agregado de nossas exportações", resumiu o deputado federal e ex-ministro Delfim Neto (PMDB-SP). Um dos parlamentares que têm apoiado a briga da Abrazpe, Delfim Neto já defendeu publicamente o mecanismo, em artigo publicado na imprensa. Em 1988, quando a legislação das ZPEs foi aprovada, empresários paulistas estiveram à frente da resistência ao programa. À época, o temor dos paulistas era a repetição do "efeito Zona Franca de Manaus", com a transferência de empresas instaladas no Estado para zonas especiais em outras regiões do país. A preocupação, argumentam os defensores do programa, era descabida. Pela lei, os benefícios da ZPE só podem ser aplicados para novas empresas, constituídas especificamente para esse fim. Nos últimos 18 anos, período em que as ZPEs existiram somente no papel, o Brasil criou diferentes mecanismos para estimular as vendas externas, como a isenção de ICMS, garantida pela Lei Kandir, ou a isenção de impostos na importação de insumos que serão utilizados na fabricação de itens para venda externa, prevista em instrumentos como o drawback. Dentro de uma ZPE, entretanto, o pacote de benefícios para as empresas seria mais amplo. Uma das vantagens da lei das ZPEs (em vigor, embora não aplicada) é a liberdade cambial, eliminando o risco cambial - que tanto preocupa as empresas exportadoras - para as indústrias instaladas dentro do distrito. Não há receita em real. Está na legislação: as transferências em moeda estrangeira do exterior e para o exterior, recebidas ou efetuadas, decorrentes de exportações, importações ou compras no mercado interno, não estarão sujeitas a visto, autorização administrativa ou contrato cambial. Os pagamentos realizados no país em benefício de empresa instalada em ZPE receberão o mesmo tratamento de transferências para o exterior. O MDIC, por meio da assessoria de imprensa, informou que o assunto ZPE foi analisado pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), a pedido do ministro Luiz Fernando Furlan, em 2003. De acordo com assessoria, o relatório da Secex sobre a conveniência de recompor o Conselho Nacional das ZPEs (CZPE) e retomar o programa será apreciado pela Câmara de Comércio Exterior (Camex). Mas não há previsão de quando a câmara discutirá o estudo, de teor sigiloso. Segundo fonte que acompanha a negociação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já discutiu o assunto com interlocutores de dentro e fora do governo federal. Mas ainda não deu mostras do partido que tomará nessa questão. Ao longo dos últimos 20 anos, várias instituições multilaterais defenderam a implementação das ZPEs no Brasil. Uma delas foi a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), que chegou a patrocinar, no fim dos anos 90, um estudo sobre o potencial das ZPEs no país. "As ZPEs estão relativamente ultrapassadas", diz o especialista Roberto Giannetti da Fonseca, ex-secretário-executivo da Camex. "Elas faziam sentido quando a economia era extremamente regulada; hoje em dia a liberalização é generalizada." Segundo ele, as ZPEs de países como China e Estados Unidos foram implantadas no passado. "É uma solução 'demodée´, há mecanismos muito mais efetivos." Na gestão FHC , o governo investiu numa alternativa às ZPEs, criando o conceito de aeroporto industrial para os aeroportos internacionais de Confins (MG), Galeão (RJ), Petrolina (PE) e São José dos Campos (SP). Indústrias exportadoras contam com benefícios fiscais para se instalar no entorno destes aeroportos, conforme estabelecido por instrução normativa da Receita Federal de 2001. O projeto ainda não decolou completamente, principalmente no que diz respeito à atração de empresas. Há quem considere frágil o marco regulatório. O credenciamento para funcionar como aeroporto industrial, conferido pela Receita Federal, é a "título precário". Quer dizer, pode ser cancelado a qualquer tempo. Um detalhe crítico na definição de um investimento de longo prazo. Nas ZPEs, a lei garante os regimes tributários, cambiais e administrativos por 20 anos prorrogáveis por sucessivos períodos de mesmo prazo. Para o economista Carlos Pacheco, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mais importante que discutir a retomada das ZPEs é dar seqüência à agenda de desoneração tributária das exportações. "E cuidar do câmbio."