Título: BenQ muda estratégia do celular Siemens
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2006, Empresas &, p. B3

Telefonia Companhia de Taiwan põe escala em segundo plano e investe em produtos sofisticados para assegurar lucro

Ao som de instrumentos asiáticos de percussão, numa manhã gelada de inverno em Berlim, a BenQ Mobile deu início a sua marcha para o Oeste. A companhia de Taiwan, que em 2005 assumiu a divisão de telefones móveis da Siemens, apresentou ontem a estratégia com a qual pretende se tornar uma marca respeitável nos países ocidentais e apagar o passado de prejuízos da empresa alemã. O plano, relatado a um grupo de cerca de 200 jornalistas do mundo todo, consiste numa soma da agilidade e da criatividade da BenQ - que tem se tornado conhecida pelo design de seus produtos - com a experiência da Siemens em telecomunicações. "Aqui é onde o Leste encontra o Oeste", afirmou Clemens Joos, executivo da Siemens que foi nomeado presidente da BenQ Mobile. Não por acaso, o local escolhido para o lançamento da empresa foi uma estação de metrô na Potsdamer-Platz, onde ainda podem ser vistos resquícios do Muro de Berlim. A sede da companhia será mantida em Munique, no sul da Alemanha. A escolha do alemão Joos para a presidência e do chinês Jerry Wang para o principal cargo de marketing é um retrato dessa combinação de forças com a qual o grupo asiático pretende reger a companhia. A marca com a qual vai atacar o mercado de celulares, também. Por enquanto, será BenQ Siemens e não apenas BenQ o nome estampado nos telefones móveis produzidos pela empresa. A marca alemã poderá ser usada nos próximos cinco anos. "A marca Siemens tem valor e está associada a qualidade. Só vamos abrir mão quando as características dela forem transferidas para o nome BenQ. Não sei quando isso vai acontecer definitivamente", disse Joos. A divulgação inclui um contrato de patrocínio da estelar equipe de futebol do Real Madrid até 2010. Apesar de a estratégia de negócios preservar algumas características do modelo antigo, muitas mudanças estão a caminho. As mais visíveis estão no aspecto dos três primeiros celulares lançados pela BenQ Mobile, que deverão chegar às lojas nas próximas semanas e em nada lembram os aparelhos produzidos pela Siemens. São telefones com corpo metalizado, de linhas retas, arredondadas apenas nos cantos. Segundo Joos, o design antigo não fez sucesso. O foco também será diferente. Em vez da aposta nos modelos mais populares, característica da Siemens, a empresa atuará principalmente no mercado de aparelhos de média e alta gama - com MP3, câmera fotográfica e outros recursos. Um terço dos 25 a 30 modelos de celular que a BenQ Mobile pretende lançar neste ano terá a tecnologia UMTS, utilizada na terceira geração da telefonia móvel, que está em expansão na Europa. Com esses ingredientes, a BenQ pretende tornar rentável a unidade de aparelhos celulares até o fim deste ano. O grupo Siemens teve lucro líquido de 2,2 bilhões de euros no exercício fiscal de 2005, encerrado em setembro. Sem a área de telefones móveis, o ganho teria sido de 3,3 bilhões de euros. Em junho, a companhia alemã - que atua em segmentos diversos como energia e automação industrial - fez com a BenQ um acordo pelo qual pagou 350 milhões de euros para a empresa de Taiwan ficar com sua unidade de celulares. O dinheiro teve como objetivo bancar a continuidade do funcionamento da área, em vez de simplesmente fechá-la. O negócio foi concluído em outubro. "Neste momento, não estamos preocupados com nossa participação no mercado. Queremos ter lucro, e isso pode ser feito com uma escala pequena", disse Joos. No entanto, dentro de um prazo de três anos, Jerry Wang, da área de marketing, espera que a BenQ Mobile alcance 10% das vendas mundiais. Será um desafio. A Siemens vem perdendo participação no mercado mundial de celulares. De acordo com os dados mais recentes da consultoria Gartner, no terceiro trimestre de 2005 a marca respondeu por 4,6% das vendas globais, três pontos percentuais a menos do que no mesmo período de 2004. Com a rigidez de sua estrutura, a empresa vinha sendo lenta para lançar telefones e incorporar novidades desejadas pelos consumidores, dizem analistas. Para Wang, o grande problema da Siemens era falta de agilidade, e a BenQ tem condições de resolvê-lo. O grupo taiwanês não está colocando dinheiro na operação, por enquanto. "O que estamos investindo são recursos de administração na empresa, como eu", disse. Os cerca de 7 mil funcionários da divisão de celulares da Siemens, até agora, foram mantidos. De acordo com Joos, não existem planos de corte. Porém, numa entrevista recente à revista "Business Week", o presidente do conselho de administração da BenQ, K. Y. Lee, disse que parte da produção poderá ser transferida da Europa para a China, com o objetivo de cortar custos. A empresa tem fábricas na Alemanha, China, México e Brasil - que diz ser a única operação lucrativa. Com os celulares da Siemens, a BenQ pretende reforçar sua estratégia de entrar no mercado de consumo de massa com marca própria. A empresa de Taiwan nasceu há pouco mais de 20 anos fabricando eletroeletrônicos para terceiros, com um portfólio de produtos que inclui monitores, notebooks e DVDs. A marca BenQ só surgiu há quatro anos, mas agora o grupo aposta todas as suas fichas nela. "No mercado asiático, a escala de uma empresa é importante, mas ter uma marca também está se tornando essencial, porque associa o produto com um determinado estilo de vida", explicou Wang. De acordo com ele, 70% da receita do grupo hoje vem de produtos com marca. Eles estão ajudando a companhia a crescer. Em 2001, quando o nome BenQ foi criado, a receita foi de US$ 3,3 bilhões. Em 2005, alcançou US$ 13 bilhões, conforme números apresentados pelo executivo. Com a aquisição do negócio de celulares da Siemens, a BenQ trilha o mesmo caminho de outras empresas chinesas que partiram para a compra de ativos importantes do setor de tecnologia no Ocidente. São os casos da Lenovo, que adquiriu a tradicional divisão de computadores pessoais da IBM, e da TCL, que se associou a francesa Alcatel na produção de celulares. A Huawei tentou comprar a Marconi, sem sucesso.