Título: Crédito ao consumo em alta multiplica os cartões de loja
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2005, Finanças, p. C8

Private Label Estabelecimentos de varejo regionais apostam nos "plásticos"

Programas de cartões de loja regionais estão se disseminando pelo país, no rastro dos mais recentes e milionários acordos dos bancos com as grandes redes de varejo no Crédito Direto ao Consumidor (CDC). Pelos cálculos do consultor Boanerges Ramos Freire, especialista em CDC, os programas regionais já respondem por mais de 10 milhões dos 97 milhões de cartões "private label" - nome em inglês para cartão de marca própria, ou cartão de loja. A base total desses cartões é uma estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões (Abecs). "Há muitas empresas regionais surgindo, é uma grande tendência", diz Freire. "Eles começam com um cartão-convênio, depois vão agregando produtos como alimentação e refeição", completa o consultor, que vem estudando esse mercado há 15 anos. Ele identificou 38 programas "private label" em atividade em todo país, com uma base de cartões aceitos em mais de 240 mil estabelecimentos comerciais. Começaram regionalmente os programas Good Card, Fort Brasil e Oboé, por exemplo. Alguns já nem são tão pequenos pois ultrapassam a casa do milhão de plásticos em circulação como o Sorocred, o CredSystem, o Good Card e o TriCard. O Good Card começou no Rio Grande do Sul e hoje tem mais de 1,3 milhão de plásticos distribuídos, com aceitação em 50 mil estabelecimentos comerciais em todo país. O Sorocred, um programa que começou na cidade de Sorocaba, a 100 km da capital paulistana, hoje é o nono maior "private label" do país, com 2,6 milhões de cartões nas praças de São Paulo, Goiás, Distrito Federal, Pernambuco e Minas Gerais. O Super Card, um programa lançado no Mato Grosso, se expandiu para municípios dos estados de Goiás e Minas Gerais oferecendo 17 diferentes tipos de serviços. "A regionalização é um processo natural, inspirado no sucesso das grandes redes como C&A", afirma Wanderval Pereira de Alencar, Diretor Executivo da CSU CardSystem, empresa que faz o processamento das transações para mais de 50 programas de "private label" no país, entre eles o da Petrobras BR, que já ultrapassou a marca de 1,2 milhão de plásticos em circulação. Boa parte dos programas processados pela CSU foi idealizada e é administrada pelo HSBC Bank Brasil. Desde que assumiu o controle da financeira Losango, o HSBC quase dobrou sua base de cartões de crédito, atualmente de 5 milhões, incluindo o da Petrobras BR. Por meio de um acordo fechado em 2004 com a Associação Paulista de Supermercados (Apas), o HSBC passou a montar e distribuir os cartões de crédito de mais de 500 supermercados na capital e no interior, e agora está levando o produto em parceria com as entidades de supermercados para o Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O motivo para a entrada desses pequenos programas de "private label" no mercado é a necessidade de oferecer o cartão como meio de pagamento e alavancar vendas diante da forte concorrência. O cenário macroeconômico tem sido propício. A estabilidade da moeda, aliada à queda dos custos de processamento - graças aos avanços tecnológicos e os elevados investimentos dos bancos emissores em parceria com as grandes bandeiras multinacionais Visa, MasterCard e American Express -, ajudou a fomentar o uso de cartões no país nos últimos dez anos. "Para vender mais os varejistas precisam facilitar a venda e ao mesmo tempo reduzir o risco de inadimplência", diz Freire. Além disso, com as altas taxas de juros no país, os comerciantes descobriram que também podem ganhar um bom dinheiro parcelando as compras dos clientes o que, obviamente, implica em embutir o custo dos juros no preço final. Os grandes acordos entre instituições financeiras e as redes de varejo, nascidos nos últimos dois ou três anos, dentro desse novo contexto, partem do reconhecimento dos bancos de que os comerciantes têm mais capacidade do que eles de fazer empréstimos. O cartão é considerado um meio mais seguro e eficiente de concessão de crédito. "O ´private label´ é um meio de pagamento para consumidores que têm freqüência alta de compras em tíquetes baixos (valores médios por transação)", explica Leandro Vilain, diretor de cartões da Losango. "São pessoas para quem não adianta você dar um cartão que permite fazer compras em Nova York, porque ele só faz compra ali, na cidade dele", analisa Vilain. Para Marcelo Noronha, diretor da Finasa, a financeira do Bradesco, o sentido da grande expansão dos pequenos programas regionais de "private label" está exatamente na importância dessas pequenas redes no comércio local. "Uma empresa pode estar em Porto Alegre ou Belém e ter uma importância maior na região do que as grandes cadeias nacionais", afirma Noronha. Onde esses programas vão chegar? Para Noronha, o próximo passo é o "embandeiramento" dos cartões regionais, ou seja, a abertura dos programas para as grandes bandeiras de cartões de crédito como Visa e MasterCard. Segundo ele, o Bradesco já se associou a três programas regionais de "private label" e está negociando com alguns varejistas para implantar o "co-branded" nos cartões já distribuídos, associando a eles uma bandeira Visa, mas Noronha disse que não poderia antecipar o nome do varejista. O primeiro passo nessa direção já foi dado por programas de grandes redes varejistas de materiais de construção e decoração, como a Leroy Merlin, que emite cartões administrados pela Fininvest (Unibanco), que adotou as bandeiras Visa e MasterCard); e a C&C (Banco Alfa com Visa). Também os cartões das Casas Bahia (Bradesco) ganharam bandeira Visa e os das lojas Fnac (livros), Le Postiche (bolsas) e Fotoptica (material fotográfico) adotaram a bandeira Aura. Para Leandro Vilain, da Losango, não há espaço no mercado para tanta gente. "Essas redes têm de se juntar em grupos e oferecer benefícios cada vez maiores para convencer as pessoas a carregar o cartão na carteira, o que está cada vez mais difícil com a bancarização das classes C e D", afirma o diretor da Losango. Para Vilain, a tendência é que haja uma consolidação num futuro próximo, quando a distribuição de cartões de crédito atingir o limite de comprometimento da renda da população brasileira. Boanerges Ramos Freire acredita que muitos dos empreendedores que estão montando pequenos programas de "private label" regionais estão preparando o negócio para venda no futuro. Vilain é de opinião parecida: para ele, muitos vêem os bancos pagando milhões de reais por "private label" das grandes redes e crêem que poderão um dia colocar seu negócio na roda. "Ao pagar muitas vezes o dobro do que esses programas valem, os bancos estão inflando esse mercado", aposta Vilain.