Título: O Supremo Tribunal Federal e o controle de constitucionalidade
Autor: Leonardo Sperb de Paola
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"O que ocupa o Supremo são os milhares de recursos e habeas corpus vindos de instâncias inferiores"

Não é de hoje que se tem reprovado ao Supremo Tribunal Federal (STF) a lentidão no exercício de sua mais importante competência: o controle da constitucionalidade das leis. São diversas as questões constitucionais dessa natureza estacionadas na corte por longos anos. A título exemplificativo, passaram-se quase sete anos entre a edição da Lei nº 9.718, de 1999, e a proclamação da inconstitucionalidade de seu dispositivo que ampliava a base de cálculo do PIS e da Cofins. Daí a importância de se compreender as razões dessa demora e apontar maneiras de corrigi-la ou, quando menos, atenuá-la. Deixando de lado questões de ordem política, o fator mais relevante na morosidade do Supremo parece ser a amplitude de sua competência. Na verdade, o Supremo não é, puramente, uma corte constitucional, mas uma corte de última instância que, entre outras matérias, trata da constitucionalidade das leis. Ultimamente, tem chamado a atenção da mídia, por exemplo, as ações judiciais relacionadas às Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e aos processos de cassação de agentes políticos. Mas, à parte os casos que merecem as manchetes, o que significativamente ocupa o tempo e a energia do Supremo são os milhares de recursos e de habeas corpus relacionados a processos penais que tiveram andamento nas instâncias inferiores. Assim, parte da resposta ao problema passaria pela redução, via emenda constitucional, das atribuições do Supremo, que poderiam ser transferidas a outro órgão judicante ou mesmo simplesmente eliminadas (por exemplo, o habeas corpus contra decisões de tribunais superiores, desde que a ação penal tenha tido início em instâncias inferiores). Nesse sentido, se levaria adiante o processo de transferência de competências ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que se ensaiou timidamente com a Emenda Constitucional nº 45, a qual lhe conferiu competência para homologação de sentenças estrangeiras, antes da alçada do Supremo - com o propósito de concentrar, se não exclusivamente, ao menos de forma predominante, a atuação da corte em matéria constitucional. Conseqüentemente, a composição do STJ, enquanto receptor de novas atribuições, deveria ser significativamente ampliada. Há outro problema a ser enfrentado. Conquanto a Constituição Federal contemple mecanismos de encaminhamento de questões constitucionais diretamente ao Supremo (ações diretas), é fato notório que diversos casos dessa natureza somente são apreciados na corte pela via recursal (recurso extraordinário), após o esgotamento da discussão nas instâncias inferiores. Ora, entre o início de uma ação judicial e a interposição do último recurso ao Supremo passam-se, normalmente, vários anos. É o que sucedeu em relação à Lei nº 9.718. Por que então não criar uma espécie de curto circuito para a apreciação dessa matéria? Nessa linha, constatada, em qualquer fase de qualquer processo, uma questão de ordem constitucional considerada prejudicial ao deslinde do litígio, esse processo seria suspenso, com o reenvio da questão constitucional ao Supremo, para que este a julgasse, após o que voltaria a ter seguimento, mas já com a matéria constitucional definitivamente resolvida.

Foram quase sete anos entre a Lei nº 9.718/99 e a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo do PIS/Cofins

Cabe ter presente e analisar algumas previsíveis objeções a essa modalidade de reenvio: provocaria uma morosidade ainda maior no andamento dos processos judiciais, eliminaria a possibilidade de os juízes e tribunais apreciarem questões constitucionais, pois estariam vinculados ao que foi previamente decidido pelo Supremo e implicaria em um encaminhamento "prematuro" da questão constitucional ao Supremo, antes que a discussão e a reflexão em torno da matéria tivessem amadurecido. Quanto à primeira objeção, se é certo que, na fase inicial do processo, o reenvio geraria alguma demora, é igualmente certo que, em compensação, estaria preclusa a possibilidade de recurso posterior ao Supremo. Assim, o tempo perdido numa fase seria recuperado na outra. Ademais, julgada uma vez a matéria pelo Supremo, seria possível evitar, por meio de efeito vinculante, outros reenvios relativos à mesma questão. Por fim, conjugado o reenvio com a maior concentração do Supremo em questões constitucionais, seria de se esperar uma apreciação mais célere da matéria. Há quem veja nesse mecanismo uma "capitis deminutio", em detrimento dos demais juízes e tribunais, como se fosse essencial e imprescindível ao pleno exercício da função jurisdicional, por todo e cada um dos integrantes do Poder Judiciário, a possibilidade de afastar a incidência de uma norma, por se entendê-la inconstitucional. Mas, ora, o que há de tão absurdo ou estranho em que um único órgão judicante se pronuncie sobre matéria constitucional? Mais absurdo e gerador de incerteza é a possibilidade de, por questões meramente processuais (falta de interposição de recurso ou negativa de seguimento ao recurso interposto), a mesma norma vir a ser considerada constitucional em um processo e inconstitucional no outro. Por fim, teme-se o empobrecimento ou a excessiva simplificação no trato da matéria constitucional, que não teria sido objeto de lenta decantação propiciada por longos anos de discussão envolvendo advogados, procuradores, juízes e juristas. Mas então também teriam que ser suprimidas as ações diretas, passíveis da mesma objeção. E é pura mistificação sustentar que toda a massa de opiniões, entendimentos e prós e contras acerca de uma questão constitucional seja absorvida e ponderada pelo Supremo no ato de julgamento de um processo. No máximo, é a partir de alguns poucos casos, pinçados de forma aleatória na multidão de processos, que a corte colhe subsídios. Mas isso também poderia ocorrer na modalidade de reenvio, especialmente naqueles casos em que a discussão assume um caráter multitudinário. De todo modo, seria recomendável que, na disciplina do reenvio, fosse possibilitada a participação de outros interessados, quando da discussão da matéria no Supremo, na qualidade de "amicus curiae" (de forma similar ao previsto na Lei nº 9.868).