Título: Interesses pela Bolívia de Morales
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2005, Brasil, p. A2

Luiz Inácio Lula da Silva receberá, no dia 13, em Brasília, a mais nova incógnita sul-americana, o recém-eleito presidente boliviano Evo Morales. Pretende conversar sobre gás natural, narcotráfico, infra-estrutura e investimentos brasileiros. A incerteza sobre possíveis desapropriações deixou no limbo planos de bilhões de dólares no país com o qual o Brasil tem a maior fronteira, mais de 3 mil quilômetros. Lula também conversará sobre a incorporação da Bolívia como membro pleno do Mercosul, bloco ao qual o país já é associado - sem participação nas negociações internacionais, hoje feitas conjuntamente por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A adesão integral da Bolívia ao Mercosul foi sugerida pelo novo presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, o polêmico argentino Carlos Chacho Álvarez. É vista com simpatia no Planalto, segundo o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia. O tema será tratado, no Planalto também por outros dois astros da constelação sul-americana de presidentes de esquerda. No dia 18, Néstor Kirchner, da Argentina, faz sua primeira visita de Estado ao Brasil. Aqui, terá encontro tripartite, no dia 19, com Lula e o venezuelano Hugo Chávez. O governo brasileiro quer saber de Morales seus verdadeiros planos para o gás boliviano, alvo de de empresas estrangeiras - a maior delas, a Petrobras, responsável por 19% do PIB do país. Não se pode acusar o boliviano de enganar investidores; a última comitiva brasileira que o indagou sobre o assunto, ainda antes da eleição, recebeu um "vamos ver" como resposta. "Si gañamos, vamos a ver entonces lo que hacer", dizia o candidato. A maior parte da cocaína vendida no Brasil vem da Bolívia. Morales, ex-plantador de coca, quer proteger os agricultores da erva para usos legítimos, tradicionais e não alucinógenos, sob a forma das folhas para mascar ou fazer chá. Interessa ao Brasil ajudá-lo a cumprir a promessa, sem dar guarida ao narcotráfico. Não se sabe ainda como. Lula vai falar em "cooperação" no combate ao tráfico da droga. Duas outras razões também recomendam atenção especial ao novo governo vizinho. Tem crescido a migração de bolivianos ao Brasil, e o gás da Bolívia está solidamente integrado à matriz energética brasileira.

Brasil quer conhecer os planos para o gás boliviano

Lula recebeu Morales, em novembro, durante a campanha, num encontro apenas protocolar. Agora será um encontro de trabalho. O governo brasileiro quer estimulá-lo a fazer um governo de alianças, moderado, sem rompimento abrupto de contratos. Segundo Garcia, Lula falará de ajuda brasileira à Bolívia, de financiamento do BNDES para projetos de infra-estrutura, programas de compra de mercadorias de fornecedores bolivianos (a chamada substituição competitiva de importações) e, claro, a necessidade de se criar um clima de estabilidade para investimentos no país. É forte a pressão na Bolívia por nova mudança na legislação sobre o uso do gás. Em junho, o país elege uma Assembléia Constituinte. Morales ainda não deu pistas do que fará. Com US$ 1 bilhão em investimentos, a Petrobras tem óbvias apostas lá, onde, além da operação do gasoduto Brasil-Bolívia, controla as duas maiores refinarias, tem uma rede de postos de combustível e campos de exploração de gás. Mas é uma empresa privada, a Braskem, que promete elevar o patamar produtivo boliviano, com uma fábrica de insumos para produção de plásticos, em que quer investir até US$ 1 bilhão e gerar 40 mil empregos diretos e indiretos. Em novembro, o presidente da empresa, José Carlos Grubisich, esteve com Morales e os outros candidatos. Alertou que a indefinição sobre o ambiente de negócios pode levar a Bolívia a se alijar do novo ciclo de investimentos no setor. A fábrica, com gás boliviano, é considerada "estratégica" para a Braskem. Morales, líder dos militantes indígenas que paralisaram o país e derrubaram os presidentes Sanchez de Losada e Carlos Mesa, moderou o discurso fortemente nacionalista, desde a eleição. Tem recebido sinais dos adversários de que há espaço para negociações políticas. Apesar da retórica, ele tem necessidade de acertar com os EUA um acordo comercial, para substituir o atual tratado de preferências que permite a venda de produtos bolivianos sem tarifas aos EUA, mas que se extinguirá em 2006. Ao mesmo tempo, é forte a influência de Chávez sobre o boliviano, o que pode até levar a maior expansão da estatal petroleira venezuelana no vizinho. Ouviremos falar muito da Bolívia, neste ano que vai nascer.