Título: Investimento baixo trava setor da construção
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2005, Brasil, p. A4

Conjuntura Juro alto, real valorizado e crise política tambem afetam segmento, que crescerá só 1% em 2005

O governo federal deve terminar o ano investindo apenas cerca de 0,5% do PIB, número inferior ao 0,61% de 2004 e bem abaixo do 1,22% de 2001. Esse nível tão baixo de investimento público prejudica a construção civil, segundo analistas, que projetam um crescimento na casa de 1% para o setor em 2005, bem abaixo dos 4,5% estimados no começo do ano. A combinação de juros altos, câmbio valorizado e crise política também afetou a construção, ao provocar o adiamento de novos projetos no setor privado. Para 2006, o desempenho deve ser melhor, devido à expectativa de continuidade da queda dos juros, e pela aposta de que o setor público vai gastar mais em obras de infra-estrutura, até por ser um ano eleitoral. Para o professor Carlos Eduardo Gonçalves, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, o volume baixo de investimento público trava o setor da construção civil de "maneira estrutural". O mau desempenho do segmento nos últimos anos parece confirmar isso. De 1999 a 2004, período em que o investimento do governo foi bastante baixo, a construção registrou crescimento em apenas dois anos (2,6%, em 2000, e 5,7%, em 2004). Entre 2001 e 2003, o PIB do setor encolheu 9,42%. Mesmo que não se espere mais que o setor público (governo federal, Estados e municípios) invista os 4,5% a 5% do PIB que investia na década de 70, o volume atual aplicado em obras novas é claramente insuficiente, avalia ele. Em 2003 - último ano para o o qual há números de Estados e municípios, segundo o economista Raul Velloso -, o total de investimentos das três esferas de governo foi de apenas 1,63% do PIB. Gonçalves acredita que esse número está hoje na casa de 2% do PIB, "ainda muito baixo". Segundo ele, o investimento em infra-estrutura, no qual a atuação do governo é fundamental, é importante para a economia por "levar a outros investimentos". O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), João Cláudio Robusti, diz que este ano não faltou verba para habitação e saneamento, mas o problema é que boa parte do dinheiro disponível não foi aplicado. Segundo ele, dos R$ 2,7 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) que deveriam ser destinados para o saneamento, nada foi investido. Robusti afirma que, dessa fonte, vieram apenas R$ 33 milhões, referentes a dívidas de exercícios anteriores. Ele lembra ainda que, no caso do mercado imobiliário, poderiam ter sido aplicados R$ 8 bilhões de recursos direcionados da caderneta de poupança, mas apenas R$ 4,6 bilhões foram gastos. "A questão é que não há financiamento do tamanho do bolso dos clientes", diz ele, lembrando que os juros são muito altos. Robusti ressalta também a política do governo de segurar os investimentos para gerar superávits primários elevados. O Congresso aprovou, e o Executivo sancionou, um orçamento de R$ 22 bilhões para investimentos em 2005, valor que logo em fevereiro foi contingenciado para R$ 13 bilhões. Ainda que o valor autorizado tenha subido para R$ 15,8 bilhões, o governo gastou apenas R$ 4,9 bilhões de janeiro a novembro. Para Gonçalves, o grande problema é a péssima qualidade do ajuste fiscal. Os superávits primários elevados têm sido obtidos por meio de aumentos de gastos correntes e da carga tributária e contenção de investimento. Ele lembra que os gastos correntes (Previdência, salários, programas de transferência de renda e custeio da máquina, por exemplo) cresceram a uma média anual de 5,5%, em termos reais, nos últimos dez anos. "Os gastos correntes do governo federal equivalem a 18,5% do PIB e os investimentos, a apenas 0,5%." Para Gonçalves, o baixo investimento público é o fator estrutural que explica o mau desempenho da construção civil nos últimos anos. No curto prazo, porém, ele avalia que os juros reais elevados têm um papel crucial nisso. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, aponta o nível dos juros e o câmbio valorizado como os grandes responsáveis pelo fraco resultado da construção neste ano. Com o dólar em queda livre e a incerteza em relação ao nível do câmbio nos próximos anos, muitas empresas exportadoras se tornam cautelosas na hora de apostar em novos projetos, afirma ele. Para Vale, nesse cenário o empresário até pode se arriscar a comprar uma máquina para ampliar a produção, mas é muito mais difícil tomar a decisão de construir uma nova planta industrial, por exemplo. Ele projeta um crescimento de apenas 0,9% para a construção civil neste ano. Além dos juros e do câmbio, ele avalia que o baixo investimento público também atrapalha o setor. A consultora Ana Maria Castelo, da GV Consult, ficou bastante decepcionada com o comportamento do setor em 2005. No começo do ano, ela projetava crescimento na casa de 4,5%, e hoje acredita em algo como 1%. Ana Maria avalia que a crise política levou o setor privado a adiar decisões de investimento este ano. Num cenário em que o governo investe muito pouco, foi mais um problema para a construção, que sofre com o cenário adverso formado por juros altos e câmbio valorizado. Para 2006, o quadro deve melhorar para a construção. Vale é mais cauteloso, prevendo crescimento de 2,5%. Robusti, mais otimista, estima expansão de 5,1%. Ele avalia que o governo deve se empenhar em usar uma parcela maior dos recursos destinados a investimentos, até por ser um ano eleitoral. Além disso, ele espera que haja uma maior utilização dos recursos do FGTS e caderneta de poupança do que neste ano. Os juros em queda tendem a ajudar o setor, ao estimular o ânimo do setor privado. Mas Robusti é menos otimista quanto ao impacto das Parcerias Público-Privadas (PPPs) no ano que vem, ainda que Estados como São Paulo e Minas Gerais devam começar projetos nos próximos meses, caso da linha 4 do metrô na capital paulista. "As PPPs devem começar para valer mesmo, impactando a economia, apenas em 2007." Ana Maria vê um 2006 mais otimista. Com a "MP do Bem" (que traz incentivos para o setor) transformada em lei, algum andamento das PPPs e perspectivas de mais gastos em obras públicas num ano eleitoral, a construção deve retomar algum fôlego no ano que vem. "E, se não houver deterioração maior do cenário político, os gastos do setor privado devem continuar a ocorrer", afirma ela. Com o fraco desempenho da construção civil em 2005, a capacidade de oferta da economia brasileira pouco vai aumentar. A formação bruta de capital fixo (FBCF), que mede o investimento na construção civil e em máquinas equipamentos, deve fechar o ano perto de 20% do PIB, pouco acima dos 19,6% do PIB registrados em 2004. O aumento modesto se deve, em grande parte, ao resultado da construção, que responde por cerca de 60% da FBCF