Título: As políticas compensatórias e o destino eleitoral de Lula
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2005, Opinião, p. A10

Embora as pesquisas já registrem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após uma longa e desgastante crise política, vai para as urnas em 2006 com menos popularidade, ainda é muito cedo para que a oposição o considere um adversário morto. Está longe disso. Os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros indicadores divulgados pelo instituto no final do ano apontam para o inegável fato de que o governo Lula, a despeito de uma política econômica conservadora que marcou os três anos de seu mandato, obteve resultados no campo social. As políticas de transferência de renda, bem como o aumento real de 7% do salário mínimo, moveram as economias das regiões e Estados mais pobres da federação, enquanto a economia não tenha tido um comportamento brilhante. Segundo as pesquisas do Ibope e do Datafolha, Serra apenas perderia para Lula na Região Nordeste. Se esse dado for agregado aos de aumento de renda da população mais pobre, em vez de interpretado como uma tendência inexorável à derrota de Lula, será possível entendê-lo como uma evidência de que as políticas compensatórias rendem dividendos eleitorais. As pesquisas do IBGE dão uma boa pista da eficiência das políticas sociais de Lula - pelo menos num momento zero, em que o absolutamente miserável, com renda de quase nada, passa a ganhar alguma coisa. Segundo reportagem publicada pelo Valor no último dia 19 ("Programas sociais dão impulso extra ao Nordeste"), as políticas de distribuição de renda têm uma repercussão bastante significativa na economia nordestina. Enquanto o volume de vendas do comércio varejista no país cresceu quase 5%, no Nordeste, foi de 19,3%. O Norte, igualmente pobre, atingiu a taxa de 15,9% de elevação. Na Região Nordeste estão 46,9% das famílias pobres do país, segundo o PNAD de 2001, e lá residem 49,3% das famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Na região, os programas de transferência de renda do governo federal alcançaram os R$ 580 milhões, valor correspondente a 21,5% do total das transferências constitucionais da União para os Estados nordestinos. Também no Nordeste se concentram os assalariados que ganham até um salário mínimo e os aposentados e pensionistas da Previdência com remuneração no mesmo patamar. Na região estão 45% dos que ganham o piso nacional de salário, e 35% da massa de beneficiários da Previdência com aposentadorias e pensões de até um salário mínimo. A MB Associados calcula que o aumento real de 7% do salário mínimo incrementou a massa de renda da região em, no mínimo, R$ 2,9 bilhões. O aumento de renda decorrente das políticas de transferência de renda e do aumento real do salário mínimo movimentou, em especial, o comércio varejista nordestino, apoiado nas vendas de alimentos e itens de vestuário, em detrimento do consumo de bens duráveis, de maior valor agregado. Em compensação, a produção física da indústria regional cresceu aquém dos 3,8% da produção física nacional. Ao que tudo indica, ocorre agora nas localidades em que se concentra a população de baixa renda efeito semelhante ao que aconteceu, no passado, quando instituída a aposentadoria rural. A renda da pensão, agregada a uma renda familiar muito baixa, nutriu o crescimento do comércio local, que passou a ter no consumo adicional das famílias proporcionado pelo benefício a sua maior fonte de vendas. Em agosto, a MB Associados havia conseguido estabelecer uma relação entre os índices de popularidade de Lula e os programas de transferência de renda. Já naquela época os Estados nordestinos concentravam o maior número de intenções de voto para Lula, e também o de benefícios de programas compensatórios. No Norte era possível observar a mesma tendência. Isolado o fator regional, e se se considerar que, embora em menor grau, esses programas atendem a população pobre em todo o país, pode-se concluir que Lula tem chances de ter compensado, com votos deles decorrentes, os votos ideológicos que perdeu nos grandes centros urbanos. No mínimo, pode partir de seu patamar histórico, de cerca de 30% do eleitorado, para uma disputa difícil.