Título: Evangélicos mantêm lealdade religiosa no voto
Autor: Caio Junqueira
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2005, Especial, p. A12

"Irmão vota em irmão." A conhecida regra evangélica-eleitoral desperta o respeito e a ambição de todas as colorações partidárias, por motivos óbvios. Trata-se de um universo de 18 milhões de votos que, em grande parte, obedecem com lealdade as candidaturas apoiadas por suas lideranças. Essa influência é comprovada pelo cruzamento de mapas de opções religiosas com os mapas de resultados eleitorais. A conclusão é que nos locais em que vivem mais evangélicos, a votação em candidatos deste segmento religioso é maior. Por sua vez, as intenções de votos nesses candidatos despencam nas regiões mais católicas do país. O estudo foi elaborado pelo professor Cesar Romero Jacob, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), que fez a análise com base nas eleições presidenciais de 2002 e nas municipais cariocas em 2004. No primeiro pleito, constatou-se que o candidato evangélico Anthony Garotinho, então no PSB, obteve melhor desempenho nas áreas em que há maior concentração de evangélicos pentecostais: nas zonas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e pulverizado pelas regiões Norte e Centro-Oeste do país. Simultaneamente, no Nordeste brasileiro, região mais católica do país, seu desempenho foi bem pior. Garotinho arrebata votos dos pentecostais apesar de pertencer a uma igreja evangélica tradicional, a presbiteriana que, assim como as igrejas luterana e anglicana, têm origem na Reforma Protestante do século 16. As pentecostais, por seu lado, têm origem nos Estados Unidos do início do século 20 e acreditam na presença ativa do Espírito Santo para suas curas. São mais enfáticos no louvor e mais flexíveis na teologia. Garotinho, porém, utiliza o termo e a força eleitoral evangélica de forma generalizada no seu discurso político. "Ele usa claramente a questão religiosa nas eleições. Vai às igrejas, aparece e ora com os irmãos. A campanha acaba sendo mais feita em cima do púlpito do que no palanque. A capilaridade dele é basicamente em cima dos pentecostais." O outro objeto de análise do estudo da PUC-RJ foram as eleições cariocas de 2004. Por meio do cruzamento entre voto e religião, vê-se que o candidato evangélico Marcelo Crivella, que concorreu pelo PL e é hoje uma das principais lideranças do PRB, também foi muito bem votado nas regiões evangélicas do município e muito mal nas regiões católicas. Nas eleições de 2006, como um dos favoritos na disputa pelo governo do Rio, Crivella deve ser o campeão de votos da legenda. A força que candidatos religiosos têm sobre suas bases foi, aliás, um dos principais motivos da cisão entre os grupos políticos de Anthony Garotinho e da Igreja Universal do Reino de Deus. A relação de ambos é tumultuada. Já dividiram palanque, romperam, namoraram e criaram polêmicas entre si. Hoje estão estremecidos. O crescimento político do ex-governador do Rio e a força que ele passou a ter sobre os redutos da Universal não agradaram ao bispo Edir Macedo, que não quer dividir seus fiéis-eleitores com outra força política, ainda mais de outra igreja. A não-concessão de alguns cargos no governo do Estado do Rio de Janeiro também colaborou para o fim do relacionamento. As últimas funções cedidas por Garotinho -cargos nas Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (Ceasa) - foram devolvidos neste ano pela Universal. "Na verdade, eles quiseram apostar em uma carreira solo e não usar a estrutura que detêm para eleger pessoas de fora de seus templos", afirma uma fonte ligada a Garotinho. As forças políticas dos dois lados evitam comentar o assunto. Procurado diariamente durante duas semanas, o senador Marcelo Crivella não deu entrevista, a exemplo de outras lideranças da Igreja Universal hoje abrigadas no PRB e que não deram retorno às ligações telefônicas. Garotinho confirma que houve exigências feitas pela Universal, mas não as revela. E, apesar do rompimento, demonstra confiança de que, mesmo sem o apoio dos bispos, continuará tendo os votos da base deles. "Graças a Deus tenho muita credibilidade com os evangélicos. O que eles estão tentando fazer com o PRB é montar um discurso 'irmão vota em irmão'. Se eu for candidato a presidente da República, como não vão votar em mim?", pergunta o ex-governador do Rio. (CJ)