Título: Uma parceria estratégica ainda distante
Autor: Aleksander Medvedovsky
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2004, Opinião, p. A-10

Estamos às vésperas da primeira visita de um presidente russo ao Brasil, sem dúvida um momento histórico nas relações entre os dois países. As relações comerciais deverão obter lugar de destaque nas conversas de alto nível. De fato, os dois países ainda não conseguiram chegar em um nível de relacionamento comercial compatível com seu potencial e necessidades. Merece uma reflexão a causa dessa situação. Nos últimos anos, a Rússia está mais uma vez surpreendendo o mundo com sua impressionante recuperação econômica, após a crise de 1998. Os resultados do primeiro trimestre de 2004 permitem projetar o crescimento do PIB anual em 7,5%. Além disso, 72% das empresas tiveram, em 2003, lucratividade igual ou maior que em 2002. A metalurgia cresceu 15,6%, a indústria química, 14,3%, o setor de máquinas pesadas, 15,5%. O nível dos investimentos internos na indústria cresceu 12,8%, a poupança da população aumentou 23,4%, e a procura por apartamentos de luxo teve alta de 30%. Nesse cenário, o comércio exterior continua se destacando. As importações russas atingiram US$ 75,4 bilhões em 2003. Entre os itens mais comprados, destacam-se produtos que fazem sucesso nas exportações brasileiras para outros países -carnes bovina e suína, frutas, sucos, móveis, artigos de vestuário, calçados, automóveis, material de construção civil. A capacidade de compra da população russa, e sua necessidade de grandes quantidades de vários itens, não pára de crescer. Apesar disso, as exportações brasileiras para a Rússia representam pouco mais que 1% das importações russas. Agimos sem criatividade, perseverança, sem planejamento. Diferentemente do que ocorre em outros mercados - Coréia do Sul, China e Índia, por exemplo - os brasileiros não fazem tentativas para criar parcerias com empresas russas, ou montar unidades próprias de produção para tornar os produtos mais competitivos e atraentes. Poderíamos conseguir maior penetração no mercado russo, investindo, por exemplo, na industrialização de carne, café, sucos, chocolates. As viagens de negócios à Rússia, na maioria dos casos, não ultrapassam os limites de Moscou e São Petersburgo. Ações destinadas a aproximar os dois países no campo comercial são poucas, ineficientes e burocráticas. Em junho deste ano, o Instituto de Estudos Estratégicos da Rússia - entidade científica independente, especializada em pesquisas de assuntos estratégicos - realizou um seminário sobre a experiência brasileira no desenvolvimento da infra-estrutura. A mídia russa deu ampla cobertura ao evento, destacando os bons resultados alcançados pelo Brasil nessa área. Entretanto, ninguém da área empresarial brasileira demonstrou o interesse pelo evento. Assim, foi desperdiçada boa chance de aproveitar a rara e gratuita oportunidade de mostrar a capacidade e experiência brasileiras na execução de projetos da grande envergadura e, quem sabe, tirar proveito pratico.

Os dois países ainda não chegaram a um volume de trocas comerciais compatível com seu potencial e necessidades

Assim se explica a falta de resultado nas relações comerciais, hoje estagnadas e superficiais, baseadas na troca de mercadorias tradicionais. Perdemos liderança nas vendas de café. Não fizemos o dever de casa, no devido tempo, para demonstrar a qualidade de carne brasileira e explicar aos russos o funcionamento do rígido sistema de controle fitossanitário existente no país. Somos o único grande país que até hoje não realizou na Rússia uma a exposição verdadeiramente nacional, nem acenamos, durante os últimos anos, com a possibilidade de os russos, de forma recíproca, ampliarem a participação nas importações brasileiras. As exportações russas atingiram US$ 135,4 bilhões em 2003, um crescimento de 112% em dez anos No mesmo período, as exportações russas para Brasil caíram 2%. Somos o único país com quem a Rússia tem balanço comercial altamente negativo. Se não existisse clara cooperação política, poderia ser dito que os russos não conseguem desfrutar no Brasil da mesma benevolência que obtemos lá. A Rússia esta voltando rapidamente como importante e poderoso player no mercado mundial. O estudo dessa transformação, o acompanhamento das grandes mudanças pelas quais o país esta passando, a análise da sua política econômica e, principalmente, a procura de áreas onde podemos alcançar melhores resultados, são elementos necessários para que a parceria comercial entre dois países se transforme finalmente em realidade. A parceria estratégica envolve profundo conhecimento do parceiro, estudo de meios para atingir o resultado, busca de caminhos para atender aos interesses de todos e elaboração de mecanismos que permitam facilitar as iniciativas. Nada disso ainda está colocado em prática. Ainda estamos longe da anunciada parceria estratégica. Ainda há tempo para chegarmos lá.