Título: Exportações perto de US$ 100 bilhões
Autor: Maria Clara
Fonte: Valor Econômico, 18/11/2004, Opinião, p. A-11

O Brasil caminha para chegar este ano muito próximo da meta de US$ 100 bilhões de exportações com atraso de dois anos. No início de 1998, José Roberto Mendonça de Barros, então responsável pela Câmara de Comércio Exterior, definiu como objetivo de governo chegar àquela meta até 2002. Foi uma promessa corajosa, que contava com uma mudança na política cambial, iniciativa que José Roberto defendia dentro do governo desde muito antes. O câmbio só mudou em janeiro de 1999 em uma operação dramática, empurrada pelo mercado, mas isso não surtiu efeito imediato sobre o comércio externo do país. Muito tempo levou para que as exportações brasileiras começassem finalmente a tomar corpo, estimuladas também por outros fatores, como a recessão interna. Os números confirmam o vigor do comércio externo contra a grande maioria das projeções traçadas no início do ano por economistas e analistas. As mais recentes estimativas para este ano apontam para exportações em torno de US$ 95 bilhões, havendo quem projete receita de US$ 97 bilhões, como é o caso do Iedi. Em outubro, as exportações chegaram a US$ 89,7 bilhões, pelos dados acumulados em 12 meses. No ano, até o dia 14 de novembro, a receita já atingiu US$ 82,9 bilhões. Isso quer dizer que o superávit da balança comercial, mesmo mantido o ritmo mais acelerado das importações, tende a ficar entre US$ 33 bilhões e US$ 35 bilhões no final de 2004. Um recorde absoluto nas contas externas do país e uma surpresa para muitos que tiveram de rever gradativamente suas projeções para o superávit comercial ao longo do ano. As falhas nas previsões do desempenho das exportações e importações deste ano podem ser reduzidas nas projeções para 2005, se maior atenção for dada à série de fatores, internos e externos, que podem afetar o comportamento da balança comercial do país. Esses cuidados são detalhados no artigo assinado pelos economistas Dionísio Dias Carneiro, Felipe Tâmega e Diogo Guillén na última edição da "Carta Galanto", com o reconhecimento deles mesmos de que também a consultoria errou nos prognósticos que fez, no início do ano, para a balança comercial de 2004. Primeiro, vale lembrar que saldo comercial e seus dois principais componentes - a exportação e a importação -- não surgem do nada, por vontade do governo ou de empresários, e nem dependem exclusivamente do nível da taxa de câmbio. É bem verdade que o câmbio tem papel fundamental no desempenho do comércio externo, mas outras variáveis precisam ser consideradas quando se trata de traçar projeções, sob pena de se incorrer em erros. Dionísio, Tâmega e Guillén utilizaram um sistema de equações onde o quantum (a quantidade) das exportações e das importações foi tratado como variável dependente, e os preços, tanto de um lado como de outro, constantes.

O câmbio tem papel fundamental no comércio externo, mas outras variáveis precisam ser consideradas quando se traçam projeções

Para a previsão das importações, consideraram a projeção do PIB brasileiro, o componente preço defasado, as sazonalidades e o câmbio real. Já se sabe, por estudos anteriores, que as importações são mais sensíveis ao nível da atividade econômica do que ao câmbio. Portanto, tendo isso como referência, os economistas trabalharam com a relação que supõe aumento de 3,92% nas importações para cada 1% de crescimento do PIB. Notam que é relevante a defasagem do componente preço das importações, podendo chegar a cinco trimestres. Isso denota uma substancial inércia das compras externas com relação à mudança de preços dos produtos importados. Já as previsões para as exportações se explicam pelas defasagens, pelos componentes sazonais, pelo comportamento do PIB americano (usado por eles como uma proxy - aproximação - da demanda externa), pelo componente preço e pela taxa de câmbio real. Com isso no papel, partiram para as projeções das chamadas variáveis exógenas, aquelas que mais podem afetar o comportamento da balança comercial. Por serem de difícil previsão antecipada, o que os economistas fazem usualmente é traçar cenários com diferentes estimativas para as variáveis que, no caso do comércio externo, envolvem basicamente a taxa de câmbio real, a variação do PIB brasileiro e do americano, além dos termos de troca. Assim, a Galanto projetou o seguinte cenário "normal" para 2005: inflação de 7,2%, crescimento de 5% do PIB brasileiro, de 3,4% do PIB dos Estados Unidos, e taxa de câmbio nominal de R$ 3,10. Nessa situação, se confirmadas as previsões, as exportações brasileiras atingiriam pouco mais de US$ 100 bilhões no ano que vem, enquanto que as importações seriam substancialmente elevadas para US$ 72,5 bilhões, quase US$ 10 bilhões a mais sobre a estimativa para 2004, por conta justamente do crescimento da atividade econômica interna. Isso daria um superávit de US$ 28,8 bilhões, abaixo, portanto, do resultado deste ano, de acordo com as projeções da Galanto. Mas essas previsões mudam totalmente com a ocorrência de choques econômicos. Não quer dizer que venham a acontecer, mas mostram como o comércio externo depende de um conjunto de indicadores, alheios à vontade dos empresários. Por exemplo, se o PIB dos Estados Unidos crescer apenas 1% em 2005, revelando "parada brusca da economia mundial", as exportações brasileiras seriam imediatamente afetadas, caindo para US$ 93,7 bilhões no ano. O saldo comercial cairia em US$ 6 bilhões. Com relação ao câmbio, uma redução de 10% da taxa real em 2005 - taxa nominal de R$ 2,74 e inflação de 10% - teria o efeito de afetar o saldo comercial marginalmente, tudo o mais mantido constante. O superávit comercial ficaria em US$ 26,3 bilhões, com exportações de US$ 97,9 bilhões. Mas o superávit seria drasticamente comprometido no caso de o PIB brasileiro crescer além do projetado. Se for a 8%, a importações explodem, passando a consumir US$ 81,6 bilhões ao ano. O resultado da balança comercial cairia para US$ 18 bilhões, ainda que as exportações se mantivessem próximas dos US$ 100 bilhões. São cenários de estresse, mas que não podem ser desprezados quando se trata de imaginar o futuro do comércio externo do país.