Título: "Não vou vivenciar o socialismo"
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2006, Política, p. A6

Ainda sem assumir-se como candidata, a senadora Heloísa Helena (P-SOL-AL), diz que não irá moderar seu discurso, mas sinaliza que seu programa tende a propor uma "revolução democrática", e não uma revolução socialista. Alegando que o programa da campanha será discutido no Congresso do partido, em março, a senadora não quis entrar em detalhes sobre o tema. Eis trechos de sua entrevista ao Valor.

Valor: A senhora tem conseguido índices expressivos nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência. Não teme perder popularidade quando explicitar uma posição ideológica? Heloísa Helena: Veja, ainda há condicionais para que esteja decidida minha candidatura à Presidência. Posso ser candidata novamente ao Senado em Alagoas ou ao governo estadual, estaria em posição confortável para isso. Se eu for candidata à Presidência, farei a campanha com enormes dificuldades e muito mais importante do que fazer a medíocre matemática eleitoral de captação de votos é apresentar uma alternativa concreta. Não vou ser candidata porque o P-SOL está refém do coeficiente mínimo de votos da cláusula de barreira ou para garantir tempo de TV, que aliás, será mínimo, no máximo uns dois minutos por dia, se tivermos a sorte de aparecerem poucos candidatos.

Valor: Então uma eventual campanha sua assumiria um tom anti-capitalista? Heloísa Helena: Sou uma socialista de carteirinha, mas infelizmente sei que não vou vivenciar o socialismo, com a estrutura anátomo-fisiológica que existe hoje no país. Não é o pensamento de todos, mas é o meu. A campanha será realista. Ao mesmo tempo, não vou escamotear nossas convicções ideológicas. Não somos mercadores de ilusões.

Valor: Se não vamos vivenciar o socialismo, o que poderia ser vivenciado? Heloísa Helena: Na minha opinião, antes da revolução socialista, temos que fazer a revolução democrática, favorecendo a soberania nacional, com o controle de capital, a auditoria sobre pagamentos ao exterior e o alongamento da dívida interna; a democratização do Estado, com o uso dos plebiscitos e o fortalecimento de conselhos na área social e o desenvolvimento econômico, com o aumento do investimento público. Mas o programa de governo ainda está sendo preparado e me alongar nesta questão seria um desrespeito com os quadros do partido envolvidos no assunto.

Valor: Isto não pode assustar um eleitor conservadora que aderiu à sua candidatura por motivos não ideológicos, como a sua atuação nas CPIs, por exemplo? Heloísa Helena: Acho que não, porque quem se identifica com a nossa bandeira ética, se identificará também com os nossos pontos programáticos. Nunca escondemos o que somos de ninguém. Eu não trago os temperos da civilidade, como as virtudes da moderação e da prudência. Mas eu estou tão bem assim nas pesquisas?

Valor: Está em quarto lugar. Quando se isola os eleitores de maior renda e maior escolaridade, com mais acesso a informação, a senhora sobe para o terceiro lugar, dependendo do quadro de candidatos, um pouco acima de 10%. Heloísa Helena: Veja que este é um sinal fortíssimo que muita gente neste país quer conhecer algo novo. Vamos enfrentar a visão fatalista de que existe uma polarização incontornável entre o neoliberalismo do PT e o do PSDB. Não temos o direito de escamotear alternativas concretas, de desenvolvimento social, econômico e regional.

Valor: É um sinal portanto que o P-SOL não irá abrir espaço para qualquer tipo de acordo com a oposição representada pelo PSDB e pelo PFL, mesmo no nível tático? Heloísa Helena: Não há hipótese.

Valor: Como vencer o desestímulo dos movimentos sociais em participar do processo político-eleitoral? Heloísa Helena: Temos que ir além da estrutura formal dos movimentos sociais. Eles incorporaram os vícios das estruturas partidárias, no movimento sindical, no movimento estudantil. É muito difícil. Se os militantes das causas sociais estão fazendo uma generalização perversa sobre os políticos, imagine o que não ocorre na sociedade como um todo. Nós da esquerda teremos uma montanha para escalar de modo a minimizar o impacto que foi o governo Lula para os simpatizantes do nosso campo.

Valor: Como a senhora pretende gerenciar a parte financeira da campanha presidencial do P-SOL? Heloísa Helena: A campanha de televisão e rádio já está equacionada, conseguimos acordos com quem aceita colaborar de graça. Mas é preciso viajar pelo país. Só vou aceitar doações de pessoas físicas, não de jurídicas. Mas de todo modo seria difícil imaginar uma empresa querendo nos financiar, salvo se estivesse imbuída do espírito de viabilizar o máximo de alternativas possíveis à polarização que existe hoje. Mesmo em relação às pessoas físicas, seremos criteriosos com as que aparecerem, para que não nos vinculemos a certos interesses. A realidade é que devemos estar preparados para andar mais pelas estradas do que pelos aeroportos.

Valor: Se Lula perder a eleição presidencial deste ano, é possível que o PT e P-SOL se reencontrem no futuro? Heloísa Helena: Eu não guardo mágoa do meu processo de expulsão. A história da esquerda no Brasil não nasce com o PT e nem termina com o P-SOL. Não somos um santuário de ungidos, somos apenas um grupo de pessoas que não aceitou um partido mudar de lado. Percebemos que aquele PT de antes tinha morrido e apodrecido. O PT que fundamos, há muito tempo não existe.

Valor: Então a senhora antevê uma reorganização partidária em 2007? Heloísa Helena: Fazer o quê? É da vida. (CF)