Título: Desencanto dos movimentos é obstáculo para P-SOL
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2006, Política, p. A6

Conseguir a adesão dos movimentos sociais é o maior obstáculo para o P-SOL crescer como alternativa dentro da esquerda. Uma parte das organizações permanece firmemente atada ao governo federal. O caso mais emblemático é o da CUT, cujo presidente tornou-se ministro do Trabalho. Entre os que desembarcaram do PT, poucos optaram pelo P-SOL. No sindicalismo vinculado ao funcionalismo público, o partido enfrenta a concorrência do PSTU. Nos demais, o desânimo é imenso.

Ainda que desiludidos com o governo Lula, os militantes da esquerda organizada mostram ceticismo com a candidatura presidencial da senadora Heloísa Helena (AL) e seu partido. O desencanto é sentido desde o início. Ao contrário do PT, o P-SOL nasce como um partido de personalidades e não dos movimentos sociais. E sem tempo para apresentar-se de maneira diferente: terá que participar do processo eleitoral sem bases na chamada sociedade organizada. Este ano, dependerá do carisma de Heloísa Helena para obter votos. "O bom desempenho dela nas pesquisas é entre os formadores inorgânicos de opinião. A sociedade organizada não é o forte da candidatura. A esquerda hoje ou está órfã, ou ainda permanece no PT", admitiu o deputado Ivan Valente (P-SOL-SP). As recentes sondagens do Ibope e do Datafolha mostram a senadora com mais eleitores entre os segmentos com nível universitário e renda acima de dez salários mínimos. "As pessoas ainda não fizeram o processo mental de tudo o que aconteceu com o PT. Falaram para mim que começar tudo de novo vai fazer acontecer tudo de novo", comentou o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio (SP), provável candidato do P-SOL ao governo paulista. Ele citou o diálogo que manteve com dom Tomás Balduino, bispo emérito de Goiás (GO), fundador da Comissão Pastoral da Terra e militante histórico na questão fundiária. "Ele me disse que entendia a minha opção em sair do PT, mas não entendia a minha decisão em recomeçar no P-SOL", comentou, concluindo: "Pode ser que a gente consiga reverter uma parte disso, mas outra parte da esquerda militante foi definitivamente perdida. Não volta nunca mais". "Nem mesmo se João Pedro Stedile fosse candidato à Presidência, eu ia participar da campanha", afirmou o coordenador do Movimento Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul, Mario Lill, referindo-se ao coordenador nacional do MST com maior visibilidade pública. Conhecido em 2002 ao entregar uma bandeira do MST ao falecido líder da Autoridade Palestina, Yasser Arafat, em seu QG em Ramallah, Lill professa uma espécie de niilismo político. "A via institucional é um ciclo perdido. Ninguém valoriza mais o processo eleitoral como transformador", afirma Lill, fazendo uma aposta: "O MST vai ficar fora da disputa eleitoral em 2006. Em outros momentos participou, mas agora isto não vai mais acontecer. Lula foi a última esperança". Sem válvula política de escape, Lill afirma que o MST deverá radicalizar sua atuação. "A esperança nossa é aumentar a mobilização social e a organização popular, quebrando a apatia atual". Diretora da ONG Geledés, que atua no movimento feminista e o movimento negro, Sueli Carneiro foi eleitora do PT, mas agora mostra reservas à única mulher presidenciável este ano. "Me parece necessária sua candidatura, para expressar uma visão de esquerda, mas tudo vai depender de como Heloísa Helena irá se posicionar sobre as questões que nos interessam e o próprio processo eleitoral inviabiliza um debate profundo. Temos que pensar além das eleições", disse. No futuro, de acordo com Sueli, o P-SOL poderá transformar-se em uma referência, a depender do comportamento de sua direção. Segundo Sueli, em 2002 o Geledés participou da campanha presidencial de Lula, algo que dificilmente ocorrerá este ano com qualquer candidato. "Estamos em um novo contexto, em que um partido perdeu a credibilidade que tinha para o conjunto dos movimentos sociais. Não há mais profissão de fé e nem disposição de entregar um cheque em branco", afirmou. (CF)