Título: Saldo da balança ignora sobrevalorização do real
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Fonte: Valor Econômico, 19/01/2006, Opinião, p. A10

As taxas de juros muito elevadas contribuíram para a valorização do real, a moeda que mais ganhou força diante do dólar no ano passado. No entanto, as exportações bateram o recorde histórico em 2005 - US$ 118,3 bilhões - e propiciaram o maior superávit comercial da história do país, de US$ 44,76 bilhões. E previsões realistas apontam para saldos acima de US$ 40 bilhões este ano. Embora os efeitos do câmbio sobre as vendas externas demorem para se materializar, a magnitude dos saldos comerciais deveriam estar caindo significativamente, mas não estão. O que indica que a moeda pode não estar tão sobrevalorizada quanto a cotação nominal parece sugerir. O real se valoriza desde junho de 2004, com pequenos intervalos de baixa, mas as exportações não arrefeceram. Boa parte dos analistas previu para o segundo semestre de 2005 o início de um declínio preocupante das vendas externas e dos mega-superávits. Erraram e não há sombra de que isso vá ocorrer no curto prazo. Agora, as projeções colocam como possível saldos comerciais ainda na casa dos US$ 40 bilhões, mesmo diante do cenário de crescimento maior da economia e avanço mais robusto das importações. A Funcex, por exemplo, prevê um saldo de US$ 37,1 bilhões no cenário pessimista - com um crescimento do PIB de apenas 2% e queda de 2,4% nas exportações. No cenário padrão, o saldo comercial seria de US$ 42,2 bilhões - avanço de 8,9% nas exportações - e, no otimista, US$ 45 bilhões, com expansão de 16% nas vendas externas. Todas elas supõem taxa de câmbio em torno da atual, em que o valor mínimo não seria inferior a R$ 2 por dólar e o máximo não chegaria aos R$ 2,50. Se essas previsões estiverem corretas, a valorização do real, passados 30 meses, pouco efeito teria sobre o fluxo comercial, embora a rentabilidade para os exportadores em vários segmentos aponte um recuo significativo. Os efeitos de uma valorização aguda do real deveriam estar mais nítidos no horizonte. O principal motivo para que não tenham aparecido claramente é a excepcional demanda externa. O comércio mundial cresceu em torno de 13% em 2005, e as exportações brasileiras, 22,6%. Os ventos continuarão a favor, mas com menor intensidade - o FMI prevê evolução de 7% em 2006. O comércio aquecido beneficiou os produtos brasileiros tanto em preço como em volume. Os dados da Funcex lançam luz a este respeito. Até novembro, os preços dos bens exportáveis tinham crescido 11% e, de novembro de 2004 a novembro do ano passado, um pouco mais, 13%. A recuperação dos preços, acompanhada da elevação do quantum exportado em todas as categorias de bens, contribuiu para minorar a perda de rentabilidade do exportador, que atingiu 9,6% em novembro do ano passado, em relação ao mesmo mês de 2004 - pouco mais da metade da valorização da taxa de câmbio real, de 18,3% (deflacionada pelo IPA). No caso dos manufaturados, que costumam ser as primeiras vítimas de valorizações cambiais, as vendas avançaram 23,5%, graças ao aumento de 10,4% nos preços e 12,7% na quantidade. Além disso, a situação dos exportadores seria bem pior se os termos de troca lhes fossem desfavoráveis, mas não é o que ocorre. Segundo a Funcex, os preços de exportação e importação estão equilibrados há praticamente três anos. Mais: os saldos comerciais foram beneficiados pelas exportações de petróleo, tirando um peso das contas externas no momento em que os preços da commodity dispararam. Do lado financeiro, boa parte dos exportadores antecipou o câmbio para obter receita em reais e aplicá-las a juros estratosféricos. A sobrevalorização atinge de forma distinta os setores exportadores. Há empresas perdendo mercado onde a concorrência é mais acirrada, como nos EUA, onde a China tem expansão de vendas superior à do Brasil. O câmbio é um assunto dos mais traiçoeiros entre economistas. Comparar a taxa atual à dos últimos cinco anos pode não dizer muita coisa, porque neste período não houve padrão - duas megadesvalorizações, precedidas por quatro anos de câmbio semi-fixo. Com o êxito exportador e baixa importação, a apreciação é inevitável, mas sua magnitude, suspeita. Com juros fora do lugar, que estimulam a arbitragem contra o dólar, o real vale mais do que seria justificável pelos saldos comerciais. Cortar rapidamente os juros reequilibraria o jogo.