Título: Última chance para o Irã
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 14/05/2010, Política, p. 18

Lula vai levar a Teerã uma proposta costurada com a Turquia para viabilizar a troca do urânio destinado aos reatores iranianos. Se não houver acordo, Washington vai à ONU propor mais sanções

Dois dias antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcar em Teerã para se encontrar com o colega Mahmud Ahmadinejad, na tentativa de fechar um acordo para enriquecer urânio iraniano na Turquia, Estados Unidos e Rússia enviaram ontem mensagens divergentes sobre o impasse nuclear. Enquanto Washington praticamente dá um ultimato, Moscou resiste à adoção de medidas unilaterais. Acredito que devemos ver a visita de Lula como uma tentativa final de diálogo, afirmou um alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA à agência France Presse.

De sua parte, o chanceler russo, Sergei Lavrov, alertou os EUA e outros países ocidentais contra a imposição de represálias fora do âmbito das Nações Unidas. Segundo ele, países que enfrentem sanções do Conselho de Segurança (CS) da ONU não podem, sob nenhuma circunstância, ser alvo de sanções unilaterais impostas por um ou outro governo, passando por cima do conselho, disse Lavrov à agência russa Interfax. A posição dos Estados Unidos hoje não exibe compreensão dessa verdade absolutamente clara, completou. Rússia e China, ambas membros permanentes do CS, são contra a adoção de sanções mais duras contra a República Islâmica por sua recusa a suspender as atividades de enriquecimento de urânio e a abrir completamente suas instalações para inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, órgão da ONU).

O aviso de Lavrov coincidiu com a chegada de Lula a Moscou, acompanhado de empresários e dos ministros das Relações Exteriores, Defesa e Turismo, além do assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. Lula se reúne hoje ao meio-dia com o presidente Dmitri Medvedev, com quem deve discutir formas de retomar o acordo para a troca de combustível nuclear e minimizar as ameaças de sanções ao Irã, país que interessa ao Brasil e à Rússia como parceiro comercial.

Na semana passada, o departamento de Estado dos EUA afirmou que não se importava com a viagem de Lula ao Irã, e que até torcia por ele, embora sem grandes expectativas. A essa altura, nosso cálculo é de que é pouco provável que o Irã mude de curso na ausência de um forte discurso e uma pressão real da comunidade internacional, disse o porta-voz Philip Crowley. Ele completou que, se as autoridade brasileiras forem bem-sucedidas em convencer o Irã, seria um desenvolvimento positivo.

Otimista, o chanceler Celso Amorim disse aos jornalistas, na capital russa, que estão presentes todos os elementos necessários para superar o impasse em torno do programa nuclear iraniano. O importante é ter um acordo prático que crie garantias objetivas de que o material disponível de urânio enriquecido no Irã não estará sendo usado para fins militares, disse Amorim. Isso você consegue em parte pela implementação do acordo, e em parte pela presença dos inspetores da agência atômica (da ONU), acrescentou.

Comércio O diretor do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, Norton Rapesta, não demonstra preocupação com ao risco de as exportações para o Irã serem prejudicadas por uma nova rodada de sanções. Se elas vierem, depende da dimensão da medida, disse Rapesta. Ele lembra que o Brasil sempre respeita as decisões da ONU, mas que a instituição nunca vetou s importação de alimentos. A agenda de Lula no Irã inclui um seminário empresarial para ampliar o comércio bilateral.

Antes de embarcar para Teerã, no domingo, Lula visita amanhã o Catar, onde será anunciada a abertura de uma linha aérea direta entre São Paulo e Doha, pela Qatar Airways. Do Irã, Lula segue para a Espanha, onde assistirá à cúpula entre União Europeia e América Latina-Caribe quando serão formalmente retomadas as negociações comerciais entre UE e Mercosul. Depois, participa em Lisboa da cúpula Brasil-Portugal, e chega de volta ao Brasil no dia 20.

Acredito que devemos ver a visita de Lula como uma tentativa final de diálogo De um funcionário do Departamento de Estado norte-americano

O importante é ter um acordo prático que crie garantias objetivas Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores

Negócios em Moscou

Além de conversar sobre o programa nuclear iraniano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá menos de 24 horas para falar sobre turismo, comércio e investimentos com o colega russo, Dmitri Medvedev. O embaixador do Brasil na Rússia, Carlos Antônio da Rocha Paranhos, espera que o movimento de turistas entre os dois países aumente com a isenção de vistos para um período de até 90 dias. O acordo, assinado em novembro de 2008, entrará em vigor depois que os Legislativos dos dois países ratificarem a iniciativa.

Lula também discutirá meios de dobrar o comércio bilateral, que movimentou US$ 4 bilhões em 2009. O diretor do departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, Norton Rapesta, acredita que os investimentos também possam ser melhorados. Precisamos mudar o patamar, que é considerado muito baixo. A Rússia é o 65º investidor no Brasil, com US$ 1 bilhão, e o Brasil investiu na Rússia apenas US$ 2 milhões entre 2007 e 2008, destacou.

Segundo Rapesta, uma missão comercial brasileira irá à Rússia em setembro para tentar ampliar e diversificar as trocas. Hoje, 160 empresários russos e quase 100 brasileiros participam de um encontro, que terminará com um almoço oferecido pelo governo brasileiro com direito a frango, estrogonofe, picanha, filé mignon, contrafilé e filé de porco na chapa. A amostra grátis servirá para convencer o governo russo a conceder ao Brasil uma cota individual para exportação de carnes. (VV)

Análise da notícia Aposta de Ahmadinejad

Silvio Queiroz

O Irã aposta alto na visita do presidente brasileiro, a ponto de o chanceler Manouchehr Mottaki ter anunciado uma reunião trilateral entre Lula, Mahmud Ahmadinejad e o premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, à margem da reunião dos países não alinhados. Os dois visitantes levariam ao anfitrião uma proposta para a troca do combustível nuclear iraniano, sob uma fórmula capaz de ao menos estabelecer uma ponte entre Teerã e o grupo cinco mais um: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido (as potências nucleares oficiais) mais Alemanha.

É com um aval restrito de Barack Obama e Nicolas Sarkozy que o cara desembarca amanhã na capital iraniana: ambos se dispuseram a pagar para ver o que Lula terá a exibir, na volta. Igualmente sintomática é a atenção dedicada por Israel à movimentação diplomática na capital inimiga. A imprensa israelense transpira certa ansiedade para que se cumpra mais essa etapa de um processo que, do ponto de vista do governo, deve aprofundar o isolamento do regime islâmico.