Título: Juro segue alto apesar de melhorias
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Para analistas, fragilidade fiscal e ação do BC explicam persistência de taxas elevadas

As contas externas e fiscais da economia brasileira melhoraram significativamente nos últimos anos, ajudando a derrubar o risco-Brasil para o nível mais baixo da história. Mas esses avanços não se traduziram em juros reais menores. As taxas reais, hoje na casa de 13%, estão até um pouco acima das registradas no fim do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, em 2002, quando ficaram em 12,15%. Segundo analistas, há fatores estruturais que explicam a dificuldade em reduzir os juros reais (descontada a inflação), como o tamanho ainda exagerado da dívida pública e seu perfil desfavorável, e o nível elevado de indexação na economia. No entanto, mesmo economistas ortodoxos reconhecem que esses problemas não exigiriam juros reais de 13%. Parte da gordura se deveria ao conservadorismo do Banco Central, preocupado em garantir uma convergência muito rápida da inflação com as metas definidas pelo governo. A grande evolução da economia brasileira nos últimos anos foi sem dúvida o ajuste externo, como diz o economista-chefe do ABN Amro, Mário Mesquita. Em 1999, a conta corrente (que reúne a balança comercial, a de serviços e as transferências unilaterais) registrou um déficit de US$ 24,5 bilhões. Neste ano, a previsão é de um superávit de US$ 15 bilhões. Outro indicador que melhorou bastante foi o que compara o tamanho da dívida externa com o das exportações, importante por mostrar a capacidade de o país gerar receita em moeda forte em relação a seus compromissos externos. Em 1999, a dívida externa correspondia a 4,7 vezes o valor das exportações. Hoje, representa 1,3. Com essa melhora, ocorrida basicamente devido ao crescimento forte das exportações e do saldo comercial, o risco-Brasil despencou, movimento favorecido também pela ampla liquidez internacional, lembra Mesquita. No caso dos indicadores fiscais, a melhora foi bem mais modesta, como afirma o ex-diretor do BC Sérgio Werlang, diretor-executivo do Itaú. Esse é um dos principais motivos pelos quais os juros reais ainda são muito elevados no Brasil, segundo ele. A relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB, por exemplo, deve fechar o ano entre 51,5% e 52%, abaixo dos mais de 60% registrados em 2002, mas ainda assim acima de outros países emergentes que têm juros bem mais baixos que o Brasil. No México, a dívida equivale a 28% do PIB. O economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra que uma dívida alta leva os investidores a exigir uma remuneração mais elevada para financiar o governo. "A composição da dívida interna ainda é muito ruim, com mais de 50% dos títulos atrelados à Selic. Isso diminui a eficiência da política monetária", diz. O problema é que, quando o BC eleva os juros, quem detém papéis corrigidos pela Selic tem um aumento de renda, e não uma queda, o que tende a dificultar o combate à inflação. Outro ponto é que a economia brasileira não foi totalmente desindexada, ressalta o ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada. Além de uma parte significativa das tarifas públicas ser corrigida pelos IGPs, os contratos com prazo superior a um ano em geral têm cláusulas de indexação, como os aluguéis. Isso aumenta a inércia inflacionária, diz Loyola. "Nesse quadro, a convergência da inflação para um nível mais baixo exige que os juros fiquem mais elevados por um período mais longo." Mesquita lembra ainda que o ajuste no balanço de pagamentos ocorreu em grande parte devido à forte desvalorização do câmbio ocorrida em 2001 e 2002. De um lado, o movimento foi fundamental para a melhora das contas externas, mas, de outro, levou a inflação acima de dois dígitos - em 2002, o IPCA ficou em 12,5%. Com isso, houve uma dificuldade extra para derrubar a inflação novamente para patamares mais razoáveis. O economista Caio Megale, sócio da Mauá Investimentos, também avalia que o custoso processo de reduzir a inflação explica em grande parte as taxas no Brasil. "É difícil derrubar a inflação abaixo de 6%, o que é uma das causas do conservadorismo excessivo do BC", afirma ele, que vê uma grande chance de isso ocorrer e se consolidar em 2006 e nos próximos anos. Para Megale, com um cenário mais favorável para os preços administrados, devido ao comportamento dos IGPs neste ano, o BC deve conseguir "quebrar a espinha" da inflação. O mercado projeta um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 4,5% para 2006, exatamente o centro da meta. Megale acredita que o cumprimento da meta é muito provável e será um sinal importante de que a inflação caiu para um patamar mais civilizado, o que permitirá a queda dos juros para níveis mais baixos, de modo sustentado. Todos esses fatores estruturais, porém, não são suficientes para justificar o atual patamar da Selic, afirmam esses economistas. Werlang está convencido de que o BC poderia ter sido menos conservador. Em vez de um IPCA de 5,7%, como o que deve ser registrado neste ano, o país teria 6% ou um pouco mais, um número razoável e abaixo do teto do intervalo de tolerância para 2005, de 7%. Assim, o PIB poderia crescer mais que os medíocres 2,2% estimados por ele para este ano. Megale também avalia que houve excesso de zelo da autoridade monetária. Os juros reais, segundo ele, poderiam estar hoje na casa de 10%. Megale acredita que, se a inflação realmente cair para a casa dos 4% a 4,5%, é possível ter taxas reais na casa de 7% a 8%. Para recuar abaixo disso, ele entende que seria necessário resolver problemas estruturais, como a abertura ainda insuficiente da economia. A cobrança do PIS e da Cofins nas importações, adotada no ano passado, teria ajudado a elevar os preços, avalia ele. Werlang diz que os títulos públicos de longo prazo corrigidos pela inflação dão uma idéia de qual seria o juro real de equilíbrio da economia brasileira. Os títulos atrelados ao IGP-M que vencem em 2031 pagam uma taxa de 8,4%, nível que, para ele, é um indicador do juro real brasileiro de longo prazo. Como sobre o rendimento nominal desses títulos incide o Imposto de Renda de 20%, a taxa real, líquida do tributo, seria algo como 6,7%. Essas estimativas são precárias, advertem os economistas. Mas, se há dificuldade em dizer qual é o juro real ideal para o país, há um quase consenso de que uma taxa de 13% é um exagero. Falta apenas convencer o BC.