Título: Ministério: vale a pena ver de novo?
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2005, Política, p. A4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ensaia nova reforma ministerial para janeiro, mais tardar fevereiro de 2006. A terceira de seu governo. O pretexto é substituir no início do ano fiscal os ministros que pretendem disputar as eleições e que por obrigação legal precisam deixar o cargo até 31 de março. Um tapa na cara daqueles demitidos em julho passado com a mesma explicação. A julgar pelas duas outras reformas, nada autoriza a dizer que, desta vez, tudo será diferente: um espetáculo de indecisão política, erros de cálculo, pequenas espertezas e muita mesquinharia. Em três anos de governo, Lula escalou 57 ministros em 38 ministérios ou secretarias - 58, se for contabilizada a promoção do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a ministro. E fez 21 substituições. Ano novo, vida nova, parece acreditar o presidente: a exemplo da reforma anunciada, a primeira grande dança das cadeiras ocorreu na virada do ano, em janeiro de 2004. Tinha por objetivo encaixar o PMDB no ministério, acertar os ponteiros de Lula com o Congresso e reduzir o tamanho do PT (27 ministros) no governo. Foram substituídos nove ministros. Foi um desastre. Lula não teve dificuldades para dar o Ministério das Comunicações ao PMDB. Miro Teixeira perdera sustentação política desde que o PDT se afastara do governo. A reforma encrencou quando ameaçou o latifúndio petista: a outra pasta reivindicada pelo PMDB era a da Previdência, onde o PT alojara Ricardo Berzoini, sindicalista de boa cepa paulista. O que seriam duas substituições tópicas, se transformou num banho de sangue na Esplanada dos Ministérios e acerto de contas entre companheiros desavindos. Entre remanejamentos e demissões, Lula trocou nove ministros. Para não tirar Berzoini, como exigia o PT, Lula o deslocou para o Ministério do Trabalho, onde estava Jaques Wagner, que foi transferido para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, onde estava Tarso Genro, outro expoente partidário. Dias antes, o presidente autorizara Cristovam Buarque a viajar para Portugal tranqüilo, pois não cogitava fazer mudanças no Ministério da Educação. A história é conhecida: o ex-governador de Brasília foi humilhado publicamente ao ser demitido por telefone, quando se encontrava em Lisboa, para que a vaga pudesse acomodar Tarso Genro. Uma ciranda. Além de expor a vendeta do PT do todo poderoso ministro José Dirceu com Cristovam Buarque, a reforma nem de longe arranhou a hegemonia petista num governo que precisava desesperadamente alargar a maioria no Congresso: acusada de maus hábitos públicos, Benedita da Silva deixou o Ministério da Ação Social sem causar comoção, enquanto Emília Fernandes (Mulheres) pagou o pato pelo fato de ser gaúcha e de haver outros três ministros petistas do Rio Grande do Sul: Tarso Genro (Educação), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) e Olívio Dutra (Cidades).

Lula nega a ministros o que se concedeu

É bem verdade que no instante seguinte foram conhecidas as relações perigosas de Waldomiro Diniz com empresários do jogo do bicho, que fragilizaram politicamente o governo. Mas as outras mudanças feitas para articular a sustentação política de Lula no Congresso também deram em nada. Pelo contrário, o presidente tirou da Câmara líderes que funcionaram no ano anterior, como Aldo Rebelo, Eduardo Campos e Eunício Oliveira por outros sem nenhuma representatividade, entre os quais o Professor Luizinho (PT-SP) e o deputado José Borba (PMDB-PR), que mais tarde se tornariam personagens do mensalão. A exumação da segunda reforma ministerial do governo Lula, em julho passado, não é muito diferente. A exemplo da primeira, foi marcada pela indecisão: foram nove meses de audiência pública. Pode-se afirmar que pegou no tranco, depois da demissão de José Dirceu da Casa Civil. Como na primeira, a reforma serviria para ampliar o espaço do PMDB e ajustar o governo ao resultado eleitoral de 2002, além, é claro, de reduzir o espaço do PT. Paralisado pelo escândalo do mensalão, desta vez o partido foi uma presa fácil e teve de ceder os ministérios da Saúde, Cidades e Minas e Energia. Para reforçar a defesa do governo no Congresso, Lula desfez o que fizera na primeira reforma e devolveu à Câmara Aldo Rebelo, Eduardo Campos e Eunício Oliveira, além de Ricardo Berzoini. Para não reconhecer que cometera um erro ou para facilitar a saída desses ministros, Lula deu uma explicação fajuta para as mudanças: estava trocando os ministros que seriam candidatos em 2006. É a mesma explicação a que recorre agora o presidente para justificar a nova temporada de degola ministerial. Há pelo menos cinco ministros de Lula que podem disputar um cargo eletivo em 2006. Ao estabelecer que devem sair em janeiro ou fevereiro, o presidente nega a eles o que concedeu a si próprio: um prazo maior para analisar a evolução do quadro eleitoral em seus estados, aguardar a definição dos adversários e só então se definir por uma candidatura. Lula seria mais sincero se dissesse que planeja uma reforma ministerial para assentar as primeiras tábuas do palanque da reeleição. Não tem perigo de dar certo.