Título: Tamanho é documento
Autor: David Kupfer
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2005, Opinião, p. A9

Há poucos dias, uma revista norte-americana publicou sua lista anual das 2 mil maiores empresas do mundo. Talvez listas como essa não sirvam para muito mais do que proporcionar às empresas contempladas um ponto para alimentar seus esforços de fixação de imagem junto ao público. Mas, em alguma medida, podem servir para montar mapas simples, e algumas vezes, bastantes reveladores, de características estruturais das diversas economias planetárias. O que esse mapa mostra é que o tamanho da empresa é um ativo competitivo relevante. Por intermédio de um indicador composto por vendas, lucros, ativos e valor de mercado, foram selecionadas empresas de 52 países em 28 setores de atividade que, em conjunto, alcançam US$ 21,9 trilhões em vendas e US$ 80 trilhões em ativos. Das 2 mil maiores empresas da economia mundial, 711 empresas são norte-americanas, 505 pertencem a países da União Européia e 326 são japonesas - isto é, mais de 75% das empresas são sediadas nas nações centrais do capitalismo contemporâneo. No plano setorial, observa-se o predomínio de empresas industriais: 661 representantes, responsáveis por 35% das vendas ou do valor de mercado totais. Integram ainda a lista 567 empresas financeiras, perfazendo algo como 20% em valor das vendas ou 25% em valor de mercado do conjunto de empresas, 266 empresas de infra-estrutura, 264 empresas de serviços, 143 empresas comerciais e 99 empresas de petróleo. Na indústria, há um nítido predomínio de empresas de alta tecnologia (semicondutores, eletrônica, farmacêutica, informática, máquinas, etc) - 330 empresas, 15% das vendas e 20% do valor de mercado. Seguem-se, pela ordem, 167 empresas de insumos básicos (6% das vendas e 5% do valor de mercado), 120 empresas da indústria tradicional (5 e 7%, respectivamente) e 71 empresas produtoras de bens duráveis de consumo (9% e 3%). Considerando-se somente os valores da indústria, as empresas de alta tecnologia, embora obtenham 42% das vendas, auferem 50% dos lucros e somam 60% do valor de mercado do total desse grupo. Um claro sinal de que a chamada "Nova Economia" está amadurecendo. E o Brasil? Bem, o Brasil comparece com 19 empresas, sendo apenas uma entre as cem maiores. São sete empresas industriais produtoras de insumos básicos, cinco empresas de infra-estrutura (eletricidade, telecomunicações, transporte, etc), quatro bancos, duas petroleiras e uma empresa do setor aeroespacial. Esse perfil setorial mostra-se bastante distinto do conjunto e revela o padrão de especialização que mais bem descreve a inserção internacional da economia brasileira - produção de commodities intensivas em recursos naturais e de baixo valor unitário. De fato, embora as empresas de insumos básicos correspondam a quase metade em número, não passam de 20% das receitas das empresas brasileiras incluídas na lista das 2 mil maiores do mundo. Somadas, as empresas brasileiras da lista representam 0,6% das vendas, 1,1% dos lucros, 0,5% dos ativos e 0,7% do valor de mercado do conjunto das 2 mil maiores empresas globais. A semelhança entre esses números e a participação brasileira nas exportações mundiais, que há anos oscila entre 0,8 e 1% do comércio internacional, levanta uma questão que merece ser explorada: o tamanho das empresas importa para o desempenho das exportações de um país?

Exportações industriais são concentradas em grande empresa porque país depende de setores com regime tecnológico cumulativo

Os muitos estudos disponíveis sobre esse tema confirmam a existência de uma correlação positiva entre tamanho e desempenho exportador da empresa. Porém, como é habitual nas análises estatísticas, não se consegue estabelecer com suficiente nitidez a causalidade que une essas variáveis: a empresa é grande porque exporta ou exporta porque é grande? Não há, porém, qualquer razão substantiva que sustente uma resposta única para essa questão. Cada vez mais o desempenho exportador é comandado pela capacidade inovativa da empresa. O problema é que o tamanho da empresa desempenha papéis distintos conforme os momentos da trajetória de desenvolvimento tecnológico e os estágios dos ciclos de produto. Algumas tecnologias são cumulativas, isto é, para conseguir uma inovação a empresa tem de cumprir todos os passos das inovações anteriores. Quando isso ocorre, o próximo a inovar é sempre o último que inovou, o que dá margem a estruturas industriais concentradas e a oligopólios cristalizados em grandes empresas. Em outras circunstâncias prevalecem as oportunidades tecnológicas, situações em que o progresso técnico decorre mais diretamente de criatividade e de capacidade empreendedora. Nesse segundo caso, a inovação pode ocorrer em pequenas e médias empresas, abrindo espaço para que "outsiders" explorem uma boa idéia e obtenham sucesso rápido. No caso brasileiro, a idéia de que escala empresarial é importante requisito para uma maior e melhor inserção internacional não decorre de uma avaliação em abstrato do problema da inovação e da competitividade. Ela vem de um diagnóstico estrutural da competitividade da nossa indústria segundo o qual temos uma especialização que nos remete aos setores intensivos em recursos naturais. Isto é, temos uma grande dependência estrutural de setores em que o regime tecnológico é cumulativo. Não é por outra razão que as exportações industriais brasileiras são fortemente concentradas em grandes empresas. Mais de 70% do valor exportado pelo Brasil é originado em empresas com mais de 500 empregados, enquanto as exportações de empresas com menos de 100 empregados não ultrapassam 5% dos embarques totais. Porém, as empresas brasileiras, mesmo quando grandes em relação ao mercado nacional ou a mercados regionais como a América Latina, normalmente têm um porte bastante inferior aos seus competidores líderes internacionais. A conseqüência é que essas empresas ficam à margem do jogo da inovação, um jogo bruto que quase sempre exclui os que não têm cacife para bancar os elevados investimentos e riscos envolvidos. Quando o regime tecnológico é cumulativo, não parece ter sentido esperar que as empresas primeiro cresçam, depois inovem e, finalmente, conquistem os mercados internacionais. Na ausência de porte individual das empresas, é necessário a construção de um ambiente econômico e institucional capaz de criar externalidades que reduzam custos e riscos tecnológicos. Somente assim, empresas que têm menor capacidade de mobilizar e arriscar recursos podem queimar etapas ao longo das trajetórias de desenvolvimento tecnológico. Esse deveria ser um dos objetivos centrais da política tecnológica brasileira. O fato é que as histórias surpreendentes de empresas que surgiam do nada e rapidamente ganhavam um lugar ao sol, típicas da "Nova Economia" nos anos 1990, ficaram no passado. Os tempos atuais parecem restabelecer a máxima de que tamanho é documento.