Título: Sob a bênção de Padre Cícero
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 17/05/2010, Política, p. 5

Serra aterrissa em Juazeiro para um périplo pela cidade cearense que ganhou no imaginário político a etiqueta de destino indispensável para presidenciáveis

Juazeiro do Norte (CE) Dizem os cearenses que todo candidato a presidente que se preze e deseja sucesso passa por Juazeiro do Norte, o santuário da fé do Nordeste. Vão sempre no período da pré-campanha eleitoral, a fim de obter as bênçãos com uma visita ao Horto de Padre Cícero, cuja história e mística se confundem com a da cidade. Desta vez, quem vai inaugurar a fase de visitas de pré-candidatos à cidade será José Serra, que desembarca na região do Cariri para um périplo entre Juazeiro, Crato e Barbalha, atrás de articulações e dos votos deixadas pela saída de Ciro Gomes (PSB) do páreo presidencial. Dilma Rousseff, do PT, já esteve com a visita marcada no mês passado, mas desistiu de última hora para não confrontar Ciro, que ainda almejava vaga na corrida presidencial, e nem ter que dar explicações sobre as denúncias que pesam contra o prefeito da cidade, Manoel Santana (PT). Quem criou essa tradição de começar uma campanha no Ceará pelo Cariri foi o então candidato do PRN, Fernando Collor de Mello. Ele foi a pé do aeroporto até a colina do Horto, recorda seu Inácio, fazendo jus ao dito popular de quem conta um conto aumenta um ponto. Na verdade, Collor subiu a pé os quatro quilômetros e meio da colina. Do aeroporto, são 15 quilômetros. Foi no Cariri que ele disse a frase que ficou famosa na campanha presidencial de 1989: Eu tenho aquilo roxo. Depois do sucesso de Collor, na época em que ele estava lá embaixo nas pesquisas e terminou presidente, a visita a Juazeiro do Norte caiu no imaginário dos políticos como uma bênção para a campanha. Fernando Henrique Cardoso, Lula, José Serra e Geraldo Alckmin seguiram a receita à risca. No caso de Fernando Henrique, o sucesso eleitoral compensou. Em 1998, Juazeiro deu a ele 29.354 votos, Lula ficou com 20.518 e Ciro Gomes, que é da região, acumulou 15.508. Em 2002, Lula, no primeiro turno, ficou com 38.055, Ciro, 37.371; Serra, 10.371; e Anthony Garotinho, 3.871. No segundo turno, Lula ficou com 54.432 e Serra com 37.536. Contra Geraldo Alckmin, no segundo turno de 2006, Lula obteve 82.123 e o tucano, 25.278.

Prefeituras Desta vez, além da crença de que Padre Cícero vai ajudar quem chegou primeiro, os tucanos esperam contar ainda com os prefeitos da região. Dos 27, o PSDB detém 11 e o DEM, partido aliado, tem 1. Só que, juntos, os aliados de Lula têm mais: São 6 do PSB, 4 do PT, 2 do PMDB e 1 do PCdoB. O PP e o PSL, que ainda não decidiram onde ir na corrida pelo Palácio do Planalto, somam um cada. Na cidade do Crato, Serra conversará amanhã com os prefeitos tucanos. Estará ainda em Barbalha para visitar o hospital que ajudou a financiar quando era ministro da Saúde. A ideia é marcar que os projetos de Serra dão frutos e não ficam só no papel. Tudo isso, obviamente, só ocorrerá depois da visita ao tumulo de Padre Cícero.

Mito regional Cícero Romão Batista, ou Padre Cícero, como ficou conhecido no Ceará e em todo país, nasceu em Crato (CE), mas foi em Juazeiro do Norte que se consagrou como líder religioso e iniciou a vida política. O Padim Ciço dos nordestinos recebeu atenção especial dos religiosos quando, em 1981, deu comunhão a uma fiel e a hóstia se transformou em sangue. Seguidor de São Francisco de Assis, Padre Cícero decidiu fazer voto de castidade aos 12 anos. Até mesmo o líder do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, era devoto do religioso. Padre Cícero nasceu em 1844 e morreu em 1934. Sua liderança religiosa e política marcou história no Nordeste e o transformou em um dos maiores ícones da cultura regional. Mensalmente, a cidade de Juazeiro recebe cerca de 500 mil romeiros, quase o dobro da população, estimada em 260 mil habitantes.