Título: No exterior, carne mais nobre patina
Autor: Alda do Amaral Rocha
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2006, Agronegócios, p. B10

Pecuária Embarque de cortes bovinos do Brasil avança em mercados baratos, mas cresce pouco nos mais caros

O Brasil está avançando em ritmo acelerado em mercados que consomem cortes bovinos mais baratos e andando a passos lentos nos que demandam cortes nobres. Esse quadro se intensificou nos últimos três meses de 2005 com o surgimento de focos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul, e a confirmação de caso no Paraná, pelo Ministério da Agricultura, que levaram países como a Rússia e os da União Européia a suspender as compras de carne de algumas regiões brasileiras. Segundo levantamento elaborado pela Coimex com base em dados da Secretaria de Comércio Exterior, o Brasil vendeu 294 mil toneladas de carne bovina in natura à Rússia - mercado que consome cortes de dianteiro - em 2005 ante 154 mil em 2004. Já a UE, mercado para cortes nobres como filé e contrafilé, importou 226 mil toneladas no ano passado, só 23 mil toneladas mais do que em 2004. Egito e Bulgária, outros dois mercados para cortes mais baratos, também compraram mais carne brasileira em 2005. O Egito importou 146 mil toneladas ante 112 mil em 2004 e a Bulgária elevou as compras de 21 mil para 44 mil toneladas. (ver gráfico nesta página) Para Jerry O'Callaghan, diretor da unidade de carnes da Coimex, parte desse desempenho se explica pelos "efeitos nocivos" da aftosa que provocou o embargo parcial ou total de 53 países à carne bovina brasileira. Mas ele considera que o Brasil está sendo excluído do rol de clientes de carnes mais nobres. "Os supermercados [europeus] não aumentaram os volumes de compras, e as importações da UE não cresceram no compasso que se esperava", afirmou. Ele avalia que já havia uma retração por parte de importadores europeus, antes mesmo da aftosa, provocada por "questões políticas". "Notícias sobre a derrubada de florestas [para criação de gado], problemas com a rastreabilidade do gado e a aftosa têm impacto negativo", argumenta O'Callaghan. Sérgio Figueiredo, diretor-financeiro do Frigoclass, que teve de adiar o início das operações por causa do embargo europeu (ver matéria abaixo), concorda. Segundo ele, existe um "marketing negativo" contra a carne brasileira junto ao consumidor final europeu feito por associações de produtores, principalmente na Irlanda. "As redes de supermercados têm interesse em comprar carne brasileira mas sofrem pressão de grupo de produtores", afirma o executivo. Recente reportagem do britânico "Daily Telegraph" associou o avanço das exportações brasileiras de carne bovina na Europa ao trabalho escravo em áreas do Norte do Brasil que sequer têm permissão para exportar . Segundo a reportagem, essa mão-de-obra seria utilizada para o desmatamento de áreas para criação de gado. A carne desse gado posteriormente seria destinada à exportação. A rede varejista Tesco, uma das maiores do Reino Unido, informou através de sua assessoria de comunicação que comercializa "pequena quantidade" de carne bovina brasileira e que se abastece principalmente de carne produzida por pecuaristas britânicos. Questionada se haveria pressão por parte de produtores locais para que a rede não venda carne brasileira, a assessora da Tesco Joanna Kinloch, evitou responder e disse que a pergunta deveria ser feito aos próprios pecuaristas. Antônio Camardelli, diretor da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Bovina (Abiec), afirma que a pressão dos produtores britânicos "é fogo de palha" e diz que aqueles que se queixam do produto brasileiro estão "nos países que mais precisam" da carne do Brasil. O presidente da Abiec, Pratini de Moraes, acrescenta que apesar de comprar itens com preços mais altos, a Europa cobra tarifas de importação de até 176%. "A tendência cada vez maior é crescermos nos emergentes", afirma, citando uma mudança na "geografia econômica do mundo", afirma Pratini. Mas, para O'Callaghan, o desempenho das vendas externas de carne bovina brasileira são um sinal para que o país tome medidas para reconquistar mercados como a Europa. Ele observa que vale a pena "reconquistar" esse mercado porque há perspectiva de redução dos impostos de importação europeus no médio prazo em função da queda da produção local, do aumento do consumo e das pressões da Organização Mundial do Comércio (OMC).