Título: À sombra do PCC, Alckmin põe queda na violência na vitrine
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2005, Especial, p. A10
Segurança Pública Taxa de homicídio doloso no Estado cai desde a posse do governador paulista
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, está decidido a correr os riscos de ter na segurança pública uma de suas principais vitrines eleitorais em 2006, seja na disputa pela Presidência da República, seja na sua sucessão. Desde que assumiu o comando da máquina estadual, com a morte do governador Mário Covas em 6 de março de 2001, a taxa de homicídios dolosos no Estado cai sem parar, em velocidade superior à média nacional, tanto nas estatísticas elaboradas pelo próprio governo estadual quanto nas do ministério da Saúde. "A redução é espetacular", define um constante colaborador das administrações tucanas, o coronel reformado da Polícia Militar, José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública no final do governo Fernando Henrique. O triunfalismo tucano contrasta com a conjuntura em que o governador assumiu. Três semanas antes, uma mega-rebelião em presídios tornava patente a existência do crime organizado no sistema prisional, por meio do Primeiro Comando da Capital (PCC). Cinco dias depois, uma grande rebelião na Febem abalava ainda mais a imagem tucana. Assassinatos de impacto, como o dos prefeitos de Campinas e Santo André, Antonio da Costa Santos e Celso Daniel e o seqüestro do publicitário Washington Olivetto marcaram o primeiro ano como governador. Em quase cinco anos de governo, Alckmin não atenuou a crise da Febem ou debelou o PCC. Mas a queda da violência sugere que a sensação de insegurança da população pode ter diminuído. "Só teremos certeza quando fizermos uma pesquisa de opinião para medir o índice de vitimização , o que deverá ocorrer no próximo ano", diz o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho. A pesquisa de vitimização procura medir dados que não aparecem nas estatísticas, como o percentual da população que foi vítima de assaltos, furtos e lesões corporais em um ano. São delitos em que a subnotificação é alta e os dados perdem confiabilidade. Em paralelo com a queda dos homicídios, sobem as ocorrências de roubo . Só a pesquisa responderá se isto se deve à diminuição da subnotificação ou ao crescimento real deste crime. A última pesquisa disponível, de iniciativa do governo federal, foi feita em 2002. A próxima, será tocada pela Fundação Seade, afirma o secretário. Secretário de Segurança desde 2002, Abreu mantém uma preocupação permanente com mídia e imagem. Ao estabelecer prioridades de atuação, centrou forças nas ações que poderiam diminuir os crimes de maior impacto na opinião pública, como chacinas, seqüestros e crimes contra o patrimônio com o uso de violência. Um exemplo de focalização está na área de homicídios. A equipe básica na capital de uma delegacia de homicídios é formada por quatro duplas de investigadores. Cada equipe conseguiu esclarecer em média 48% dos 135 inquéritos policiais que administrou em 2004. A 3ª Delegacia de Homicídios Múltiplos, que apura chacinas, é formada por 8 duplas de investigadores, que cuidaram de 22 inquéritos policiais e solucionaram 20, um índice de esclarecimento de 90,9%. "Tanto no rádio como na televisão, você tem programas disputando audiência de forma acirrada, com a pauta no crime e na ação da polícia. Isto fez com que na última eleição feitos como a duplicação da rodovia Imigrantes ficassem em segundo plano. Agora podemos usar nossos resultados como trunfo ", disse Abreu, filiado ao PSDB e foi pré-candidato tucano à prefeitura paulistana em 2004. Os críticos da administração Alckmin afirmam que o governador é, acima de tudo, uma pessoa de sorte, que colhe o fruto do trabalho de outros administradores e outras instituições. "Na estatística em que houve queda concreta de delitos, que é a taxa de homicídios, a redução foi maior nos municípios que adotaram políticas preventivas , ou em que houve ação externa para diminuir as mortes", disse o ex-secretário de Segurança Pública de Guarulhos na administração do petista Elói Pietá, Guaracy Mingardi, diretor do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud), ONG apoiada pela ONU. Ele cita dois casos concretos: o de Diadema, onde o fechamento dos bares após as 23 horas é sugerida como fator principal para a queda de 65,8 para 34,6 na taxa de homicídios dolosos por 100 mil habitantes entre 2001 e 2004 e o de Ribeirão Preto, onde a ação do Ministério Público contra grupos de extermínio é apontada como a razão para a redução do índice de 34,3 para 10,4 no mesmo período. Mingardi ainda acrescenta que Alckmin foi beneficiário do trabalho do antecessor. "A contenção da violência policial, a criação do sistema de inteligência da segurança pública, a instituição do Disque-Denúncia para quebrar a lei do silêncio nas periferias são iniciativas de Covas. Tanto que, já no ano 2000, houve queda da taxa estadual de homicídios dolosos, que foi de 34,2 ante 35,3 em 1999". O aumento da segurança privada também é apontado como um fator que colaborou para a queda . "Na medida em que as pessoas evitam sair de casa à noite, de certa maneira correm menos risco de serem assassinadas. A queda aconteceu, mas não em função de políticas públicas. As estatísticas deixaram de apontar de forma efetiva o que ocorre na sociedade", afirmou o ex-secretário de Ação Anti-Drogas no governo Fernando Henrique, Walter Maierovitch. Para tentar comprovar a tese de que Alckmin surfa no sucesso alheio, Mingardi cita que a proporção de inquéritos policiais abertos por ocorrências não aumentou nos últimos anos , o efetivo policial pouco se modificou e o número de prisões caiu. "São indicadores de que a polícia não está mais ativa do que antes", ataca. "Se eu quisesse subir o número de prisões, seria muito fácil. Bastaria sair pelas ruas prendendo guardadores de carro e camelôs. O desafio é fazer detenções sem pirotecnia. As prisões diminuem à medida que se estabelecem focos, planos de ação. Mede-se a ação da polícia pela qualidade e não quantidade. O número de prisões por homicídio aumentou ", rebate o secretário de Segurança. De acordo com Abreu, o fato de o efetivo não ter aumentado é irrelevante. "Optamos por uma melhora da distribuição e um aumento do pessoal operacional ", afirma. O único ponto em que o secretário de Segurança admite que pouco se avançou é na questão de remuneração de pessoal. É uma área em que até mesmo defensores de sua gestão, como o coronel José Vicente, se unem a críticos. "Na Polícia Militar, existe gratificação para os policiais que estão cedidos para outros órgãos,ao passo que não se instituiu nenhuma gratificação por risco. Isto estimula o PM a trabalhar para ficar fora das ruas", afirma. A falta de pagamento de horas extras é outro problema. Sem se identificar, um PM afirma que são comuns transgressões que prejudicam a resolução de crimes. Um exemplo: ao se encontrar um cadáver, a Polícia Militar é chamada para preservar o local da ocorrência intacto até a chegada da perícia, que pode demorar horas. Para evitar o trabalho extra, é comum os PMs colocarem o cadáver na viatura, o levarem para um hospital e afirmarem que a vítima faleceu enquanto era transportada. A perícia fica comprometida. A baixa remuneração e a ausência de horas extras incentiva atividades paralelas. As mais graves são a cumplicidade de policiais com criminosos, com os quais estabelecem pactos ou praticam extorsão. A menos grave, o trabalho como segurança privado fora das horas de expediente, o chamado "bico". Se bem sucedido, consegue-se receber por mês um extra de até R$ 6 mil, valor acima dos R$ 5, 2 mil de salário básico de um delegado especial ou coronel da PM . "Se tem um fator frustrante que precisa melhorar é o salário", reconhece o secretário de Segurança.