Título: Anjos caídos, petróleo caro e aquisições
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 23/01/2006, Brasil, p. A2

Há cada vez mais conseqüências palpáveis do fim da era de crédito farto e barato decretada pelo presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan. O balanço do Citibank, na sexta-feira, mostrou pela primeira vez que a alta dos juros já começou a ter impacto no enorme endividamento do consumidor americano. Meses antes de uma mudança de legislação que beneficiará os bancos, o número de concordatas pessoais de consumidores disparou e o Citi amargou uma perda de US$ 252 milhões. O lucro com o negócio de cartões de crédito nos EUA caiu 60% no maior banco do país, de US$ 1,1 bilhão para US$ 450 milhões. Os resultados assustaram os investidores e as ações da instituição caíram nada menos que 4,6%. Aliado ao resultado relativamente ruim da Intel, o balanço do Citi contribuiu para que a Bolsa de Nova York registrasse a maior baixa dos últimos dois anos na sexta-feira. A agência de risco de crédito Standard & Poor's reporta que no ano passado 41 empresas foram consideradas "anjos caídos", saindo de categorias de baixo risco para risco especulativo num curto período de tempo. Essas empresas que tiveram mudanças drásticas em sua estabilidade financeira têm US$ 520 bilhões em dívida no mercado. No mesmo período de 2004 houve apenas 25 "anjos caídos" no mercado e o volume de dívida envolvido era quase dez vezes menor (US$ 55 bilhões). Os setores mais vulneráveis a mudanças bruscas de qualidade de balanço são mídia, bens de capital, alta tecnologia e varejo, segundo a S&P. Em vários mercados dos EUA, a bolha imobiliária está desinflando lentamente. Em 2006 também se espera maior definição sobre o futuro dos dois gigantes automobilísticos americanos em má situação financeira, a General Motors e a Ford. Uma eventual concordata de uma dessas duas empresas, pelo seu tamanho e impacto na economia, pode deixar os mercados em polvorosa. Greenspan deixará o cargo em dez dias e quem terá que se preocupar com o destino dos "anjos caídos", consumidores inadimplentes e crescente confronto entre EUA e Irã é o novo presidente, Ben Bernanke. A pressão sobre os preços de petróleo deve se aprofundar este ano com a crescente tensão entre os EUA e o Irã por conta de atividades nucleares do país do Oriente Médio, o terceiro maior produtor de petróleo. A perspectiva de sanções internacionais é real. O banco suíço UBS suspendeu todas as transações com o país, e o petróleo já aproxima-se perigosamente dos US$ 70. Como Bernanke vai reagir à mudança de cenário ainda é uma incógnita, mas o mercado teme que sua inclinação à adoção de metas inflacionárias faça com que o novo presidente seja a favor de uma política monetária mais apertada. O mercado também está ansioso para saber o impacto que o confronto com o Irã terá sobre gasto militar e déficit orçamentário dos EUA, e como ficou claro na sexta-feira, as negociações entre a Europa, EUA e Irã terão forte influência sobre o comportamento das bolsas.

Crédito farto e barato pode estar no fim

Os resultados com negócios ligados ao crédito ao consumidor devem começar a piorar este ano, mas pelo menos uma atividade financeira está salvando o resultado dos grandes conglomerados- as fusões e aquisições negociadas pelos banqueiros de investimento. No ano passado o volume de aquisições em todo mundo cresceu quase 40%, segundo a Thomson Financial, para US$ 2,7 trilhões. A maior parte das operações foi financiada pelas reservas de lucros depois dos bons resultados em 2004. Os bancos de investimento tiveram expressiva alta das taxas cobradas nessas operações. Os setores mais efervescentes em fusões e aquisições em 2006, prevêem analistas, serão serviços de saúde, alta tecnologia, telecomunicações, bancos e empresas imobiliárias. O ano mal começou e uma grande operação está em curso, a venda da Guidant, fabricante de equipamentos médicos de ponta. Estão brigando pela companhia, que poderá valer até US$ 27 bilhões, Johnson & Johnson e Boston Scientific. Na área financeira, alguns bancos que haviam se distanciado das aquisições, como o J.P. Morgan, podem voltar à carga. O Bank of America, depois de comprar o BankBoston, não pode mais fazer aquisições nos EUA por limites regulatórios do percentual de depósitos totais que detém, mas pode expandir as operações fora do país. O Fundo Monetário e outras entidades internacionais vêm alertando sobre a necessidade de reequilibrar a economia mundial e sobre os riscos do excesso de autoconfiança do mercado já há algum tempo. Até agora, as previsões de catástrofes não se concretizaram- nem explosão da bolha imobiliária provocando prejuízos gigantescos, nem reversão brusca do financiamento externo aos EUA. Mas os alarmes falsos não eliminam a chance de a economia internacional voltar a enfrentar tempos de instabilidade.